sábado, 20 de fevereiro de 2010

Lembranças cachoeirinhísticas

Lembro muito bem desta cena. Na época eu dava aulas em Cachoeirinha. Eram algumas sextas séries. Trabalhava em Esteio de manhã e lá à tarde (não recomendo isso a ninguém). Havia a hora em que os alunos iam ao refeitório comer a merenda. Como nem todos lanchavam, eu não era obrigado a acompanhá-los, então mandava os alunos que iam comer para o refeitório e ficava com os outros em sala.
Numa dessas salas havia um menino chamado Davite (o nome dele deveria ser provavelmente "David", mas a família provavelmente errou ao registrá-lo. Ele, inclusive, assinava-se nas provas como "Deivid", nome que ele gostaria de ter sido... mas não era). Sempre que os alunos voltavam do refeitório, eu tinha reclamações das meninas sobre o indivíduo em questão: "Professor, o Davite mexeu comigo!" "Professor, o Davite entrou no banheiro das meninas!" "Professor, o Davite passou a mão na minha bunda!" E não tinha fim.
Eu sentava com ele quando ele voltava e conversava, explicava, repreendia e nada parecia funcionar: todas as minhas palavras entravam-lhe por um ouvido e saiam pelo outro. Eu achava que ele sequer me escutava.
O dito aluno, em aula, não era agressivo comigo, mas também exigia minha atenção constrante. Se desviasse meus olhos dele por pouco tempo, lá estava ele aprontando.
Lembro que a escola não fornecia matriz e folhas (xerox então nem pensar!!!!) para se fazerem provas e trabalhos então eu tinha que pedi-las aos alunos.
Em um dia qualquer de aula, uma aluna perguntou: "Professor, o que o senhor pediu mesmo?" querendo saber quantas folhas e quantas matrizes eu queria. Antes mesmo que eu pudesse responder, o Davite não suportou e largou: "O professor pede que a gente sente. O professor pede que a gente respeite. O professor pede que a gente se comporte. O professor pede demais!"
Não lembro sinceramente qual foi minha reação a isso, mas creio que não disse nada. Mas é uma situação que sempre guardo com carinho na memória. O Davite podia até não seguir o que eu pedia, mas ele tinha total consciência do que eu queria dele. O meu papel estava feito, ainda que a mim parecesse que não.
Eu estabelecer limites, cobrar regras, avaliar comportamentos... mas não obrigar que ele os seguisse em sua totalidade. Talvez eu tenha feito alguma diferença a ele como ele com certeza fez em mim.