A esposa chega em casa. Cansada após um dia de trabalho duro, os pés
inchados por causa do salto alto. Joga a pasta em cima do sofá. Tira
os sapatos e os deixa no meio da sala. Resmunga alguns palavrões
num tom incompreensível, depois fala:
_ Luz!
E a luz acende.
Atira-se no sofá fatigada. Oito horas de trabalho monitorando
computadores que fazem um importante trabalho não é fácil. Depois
de um dia inteiro fazendo isso, ela não quer saber de mais nada.
O marido entra na sala. Recolhe os sapatos e os leva para o quarto.
Volta à sala, pega a pasta que estava no sofá e a leva para seu
lugar na estante. Enquanto isso, ela continua sentada no sofá,
pernas abertas, girando o pescoço de um lado para outro para
desfazer a tensão.
Ele senta-se em uma cadeira próxima a ela e pergunta solícito:
_ Como foi o seu dia, querida?
_ Um saco, como sempre... _ suspira ela num um fiapo de voz.
_ Quer uma massagem? _ pergunta ele com um tom de voz doce. Você
está precisando relaxar...
_ Ah, por favor... _ responde ela com expressão de alívio.
Arrasta-se até uma cadeira na frente da dele, onde ela pode ficar de
costas. Ele massageia as costas da companheira com delicadeza, com
os cuidados do profissional mais dedicado. Ela suspira de tempos em
tempos:
_Ai... Ai... Bom...Bom... Isso! Aí! Ai... Ai...
Ele pede que ela deite-se no sofá e lhe faz um pouco de shiatsu.
Terminada a massagem, ela já está completamente relaxada. Ele
retira-lhe a roupa e vai até o quarto, voltando, pouco depois, com
uma camisola confortável e chinelos nas mãos.
Ela se veste. Caminha até a cozinha. Chega até a geladeira e fala:
_Abra.
A geladeira abre. Ela pega uma garrafa d'água e toma no gargalo,
enquanto ele arruma as almofadas do sofá para que ela fique
confortável.
Ela volta da cozinha e deita no sofá. Ele aproxima carinhosamente o
seu rosto do dela. A pele macia, bem barbeada causa um certo frisson
na parceira. Ela geme suavemente. Ele recosta o peito descoberto
sobre o tecido fino da camisola e faz um carinho de leve com suas
mãos nos braços dela. Depois dá-lhe um longo e apaixonado beijo.
Depois de alguns beijos e abraços, pega-a no colo e leva-a para a
cama.
Uma hora depois, ela, deitada na cama, o olhar lânguido em direção
ao teto, a sensação de relaxamento percorrendo-lhe o corpo. A mente
quase em alfa.
Esse era o homem que Helena sempre pedira a Deus. Um homem meigo,
terno, carinhoso... Delicado e másculo ao mesmo tempo. Bonito e
inteligente. Atencioso como ele só. Capaz de satisfazer qualquer
capricho dela. Um homem que não fica no sofá vendo futebol e
esquece da vida. Um homem que não sai com os amigos. Um homem que
dedica toda a vida a agradá-la. E, principalmente, um homem que não
dorme após o sexo. Pelo contrário, um homem que, após um momento
de amor ardente, abre um lindo sorriso, olha-a com ternura e diz
baixinho que vai preparar o jantar.
A rotina de Helena tem sido assim desde que ela comprou seu marido
atual. Com a extinção de todos os homens após uma hecatombe
nuclear, as mulheres tiveram a ideia de construir algo que os
substituísse. Mas não seria uma duplicata do homem antigo. Nada
mais de roncos no sofá da sala. Nada de olhos reparando sua
celulite aumentar a medida que a cinturinha diminui. Nada de barrigão
de chope. Careca, nem pensar! Isso! Um homem perfeito! Bonito,
músculos bem definidos, alto, forte e atraente. Em várias cores e
modelos para satisfazer a todos os gostos.
Um grupo de cientistas se reuniu e, usando de seus próprios
instintos e da opinião recebida por e-mail de várias mulheres de
todo o mundo, foram escolhidas todas as qualidades que o novo homem
deveria ter. Um robô exatamente igual ao homem que todas sempre
sonharam. Um homem perfeito tanto por dentro como por fora: o
verdadeiro homem com H maiúsculo!
Enquanto fica alguns momentos pensativa, o homem-robô prepara a
comida. Algum tempo depois, entra na peça com um lindo sorriso,
trazendo-lhe o jantar: um manjar dos deuses, tudo que ela sempre
gostou, da forma como ela gosta que seja preparado.
Helena come com vontade. O sexo a deixou com fome. Ele retira-se
cuidadosamente da sala. Ele sabe que ela não gosta que ninguém a
olhe comer.
Depois da comida, ela levanta-se e olha no espelho. Algumas
gordurinhas estão aparecendo na região do abdômen. Há alguma
celulite nas nádegas. Ainda bem que seu homem não liga para isso.
Ele a acha sempre bonita não importa o que ela faça ou o que
aconteça.
Senta-se então frente ao espelho e começa a pentear o cabelo. Um
jantar maravilhoso, uma transa divina, privacidade para pentear os
cabelos com tranqüilidade, uma casa perfeitamente arrumada sempre...
O que mais Helena poderia querer?
Foi então que ela pensou que seu parceiro poderia surpreendê-la
trazendo-lhe uma rosa ou vindo por trás e fungando em seu pescoço...
Não devia ter programado seu parceiro para não dar fungadas. Ela
sempre achara aquilo irritante, mas, de repente, fora invadida com
uma vontade súbita de receber uma fungada...
E, com um mísero
pensamento, todo seu castelo de prazer e comodidade se desfez como um
frágil castelo de areia ao sabor da maré. Frágil, insólito,
mísero, infantil.
E Helena jogou a escova no chão com força. De que valia toda aquela
dedicação de seu homem se era tudo programado? Ele não a amava
verdadeiramente. Faria tudo exatamente igual a qualquer dona que o
tivesse comprado.
Foi quando ela se viu, caçadora em uma savana urbana, qual uma
ártemis pré-histórica, em pleno século 21, perseguindo com os
olhos uma frágil presa masculina, acuada como um coelho. Ele, por
seu lado, olhava a ela como uma presa e se via como caçador, crendo
ser o sexo forte, o dominante. Qual dos dois estaria certo? Será que
isso importava?
As mulheres daquela época sofriam muito, é verdade. Homens que não
ligam após o primeiro encontro, havia aqueles que queriam apenas
uma transa e nada mais. Não receber o carinho e o respeito
merecido... Mas tinham homens que eram capazes de surpreendê-las,
algumas vezes no bom sentido.
E viu-se de volta em seu quarto, atirada em uma poltrona perto da
cama. Sabia que seu marido-robô não voltaria mais naquela noite.
Iria deixá-la dormir tranqüila a noite toda e esperá-la
sorridente, peito malhado e abdômen definido à mostra, barba bem
feita, olhos verdes amendoados, que ela acordasse e fosse tomar seu
café.
A não ser que ela levantasse da poltrona e fosse lá para pedir que
ele fizesse mais alguma coisa, ele não voltaria mais naquela noite.
Se pedisse mais uma transa, ele faria. Mas ele mesmo não era capaz
de sentir prazer com isso... Se pedisse para que ele lhe preparasse
uma refeição maravilhosa, não teria problemas. Mas ele próprio
não teria fome... Se pedisse que virasse de cabeça pra baixo e
assobiasse o hino do Flamengo... Céus! De súbito Helena
percebera-se casada com um monstro!!!
Levantou da poltrona, mas não foi atrás do homem. Ao contrário,
foi até a gaveta da cômoda e pegou um comprimido. Iria precisar de
um para dormir naquela noite. De tempos em tempos, era acometida por
aquele infeliz pensamento nostálgico que tudo tinha sido melhor no
passado, no tempo em que os homens de verdade existiam. Tomou o
comprimido e deitou-se. Em poucos minutos estaria dormindo e sonhando
com coisas lindas. No dia seguinte, acordaria melhor e voltaria a
apreciar as virtudes de seu parceiro como sempre fazia. Sem jamais
ter a infelicidade de acordar com um sujeito mal-humorado, barba por
fazer, hálito de túmulo, usando seu banheiro quando ela estava
atrasada para o trabalho. Enfim, para que sonhar em regredir a um
passado pré-histórico quando podia resolver sua depressão por
falta do homem antigo com um simples comprimido?