segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Este texto eu escrevi um pouco antes do Natal para pôr no site de um amigo meu. Acabei postando só agora. Ficou meio triste demais, eu sei, mas gostei dele.


O HOMEM E O VIADUTO

Parado na esquina de um viaduto, eu observo. Há luzes pela cidade toda. Música. Pessoas correndo, comprando seus últimos presentes ou preparativos para a ceia. No entanto, minha visão vê tudo em cinza. Um casal passa por mim. A moça com uma bolsa-mochila presa às costas. O rapaz, careca e de boné, anda a seu lado. Não falam. Nota-se que estão juntos apenas porque caminham juntos. Não trazem sacolas, o que denota que também não entraram no espírito da data. Fico imaginando o que pensam, para onde vão. Provavelmente para casa, deitar mais cedo. Esquecer as musiquinhas, as festas e afogarem-se num sono anestésico. Ou de repente trabalharam até aquela hora e estão cansados, loucos para chegarem em casa, tirar os sapatos e relaxar.

Eu deveria também fazer isso. Fechar-me em casa, não atender telefone, não falar com ninguém. Deixar a tevê desligada e dormir, esquecer este dia e pronto. Mas não consigo dormir. Não consigo esquecer. Olho para o prédio ao fundo, que dá para o viaduto. Há poucas luzes acesas. Muita gente provavelmente não está em casa. Saíram para comemorar com os seus. Levaram seu peru, sua champanha e foram para casa de parentes ou amigos. Não é uma data para se passar sozinho, com toda a certeza.

Eu também poderia estar com meus amigos ou família, mas não quis. Recusei todos os convites. Disse que já tinha planos, que iria a uma festa... Mentira. Estava ali, naquele viaduto escondido de tudo e de todos, escorado em um poste.

Não há mais ninguém na rua do alto. Não passa nenhum carro. Nem os mendigos tradicionais eu vejo. As lojas já estão fechadas. Apenas eu ali e me bate um frio que me açoita até a alma.

Olho para baixo e vejo a outra rua ainda movimentada. Carros passam rápido, sem respeitar os sinais. Correm para sua casas, para suas festas talvez. Vejo as luzes deles correndo. Luzes vermelhas e brancas, lembrando-me a data em que estamos. É Natal. E aquelas nuvens daqueles carros naquela rua vazia me atraem. Começo a olhá-las fixamente. Não vejo mais os carros, nem a paisagem. Apenas aquelas luzes azuis e vermelhas evidenciando que o mundo inteiro é natalino.

Menos eu.

Sinto um impulso e subo na mureta do viaduto. Preciso unir-me àquelas luzes. Talvez seja este meu objetivo nisto tudo. Unir minha alma àquelas luzes e deixar meu corpo pesado ir de encontro ao asfalto. Não há ninguém ali que possa me impedir. Não há nada que me impeça de praticar meu voo rumo ao chão duro da rua de baixo. Inclino-me para a frente. Vou pular.

Deixar minha marca vermelha naquele momento, naquela data, naquele acontecimento. Vou pular.

Um tal lá nasceu nasceu para nos salvar. E eu vou morrer para me salvar. Vou pular.

Acabar com a tristeza, o sofrimento, a dor com um único ato. Vou pular.

Vou pular. Vou pular. Vou pular. Vou pular. Vou pular. Vou pular. Vou pular. Vou pular.

Mas não pulo. Uma mão imaginária parece me puxar pelas costas. Desço da mureta.

Faltou coragem? Talvez. O espírito natalino me impediu? Não creio. Não acredito nessas coisas. Ligo para minha mãe e digo que estou indo para a ceia. Não estou em condições de ficar sozinho. Alguém passa por mim cantarolando um jingle bells. E eu caminho pela rua na difícil procura por um táxi.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Mães de telefone

Eu sou professor há uns doze anos em escolas públicas. Trabalho com crianças e adolescentes. E também com muitas professoras. Claro que, assim como eu, existem muitos professores nas escolas, mas o magistério ainda é um meio essencialmente feminino. Nos recreios, eu observava uma professora em especial, uma pessoa muito querida a mim, a professora Ana Maria. Na época ela tinha dois filhos adolescentes (hoje adultos). Na hora do recreio, ela sentava à mesa da sala dos professores, pegava o telefone e ligava para os dois. Nesse ato, cobrava-lhes se haviam arrumado a cama, se haviam feito o trabalho da escola e todas as demais tarefas e obrigações que eles possuíam para aquele dia. Eu brincava com ela que ela era uma “mãe de telefone”.

Como minha colega, existem por aí muitas mães de telefone. Não estão em casa o dia inteiro, chegam em casa apenas à noite exaustas, porém possuem todas as obrigações daquela mãe que ficava apenas em casas cuidando do lar e dos filhos (e já não era pouco). Elas não estão mais ali ao lado dos filhos, ajudando no tema, cobrando que lave atrás da orelha, que arrume aquela bagunça que eles chamam de quarto e assim por diante. No entanto, estão altamente presentes, seja por telefone, por bilhetes na casa, por e-mails... As mães saíram de casa, mas seus olhos continuam por todos os lados, onipresentes, acompanhando o que os míopes olhos paternos deixam passar despercebido.

Todos nós, tenho certeza, carregamos nossas mães dentro da gente, mesmo que ela não esteja mais neste mundo. Ouvimos até hoje, mesmo adultos e independentes, suas vozes dentro da gente nos dizendo o que devemos ou não fazer, o que é certo e o que é errado. Temos nossas mães dentro da gente como uma espécie de norte. Rebeldes, podemos renegar tudo o que essa voz nos diz, fazer completamente o opostos, é uma escolha nossa, mas ela existe, ela está lá, dentro da gente, até hoje, com seus olhos fixos, cuidando, amparando, vigiando.