sábado, 19 de abril de 2014

O mar e o Mar...ne



Quando criança, vivi em uma cidade próxima do mar. Íamos no verão pra praia, primeiro de barraca, ficando no pátio da casa de alguém, para poder usar o banheiro.  Odeio barracas até hoje. Não me convidem para acampar: não é decididamente algo que me encante.
Depois meus pais compraram uma casinha bem simples. Não tinha tevê, telefone, nada... no começo, nem água encanada.  Mas era divertido. Acordordava de manhã, ia comprar pães na padaria. Depois do café, íamos para a praia. Eu ficava horas dentro d’água naquela época. Ir de tardezinha para a praia, com aquele friozinho praiano, olhar o mar me fascinava.
São duas maravilhas naturais que sempre me fascinaram: o mar e suas ondas batendo na praia e as tempestades.
Quando era criança e sabia que viria tempestade, ficava horas sentado à janela olhando as formações de nuvens maravilhado. Era um espetáculo que eu não podia perder.  Sempre fui desatento para algumas coisas, mas para outras poderia ficar horas sem sair do luguar. Olhar a tempestade se formando era uma delas.
O mar também. Até hoje olhar para o mar me acalma. Pode estar tempo nublado, até um pouco frio. Não me importa. Só de ficar olhando para o mar, já fico mais tranquilo, meus problemas somem temporariamente. Não sei nadar. Nunca aprendi. Não suportaria hoje ficar horas enfiado dentro do mar.  Gosto de praias com cidade, onde eu possa ir um pouco para a praia, mas passear na cidade também. Não ficaria mais uma tarde inteira sentado frente ao mar talvez. Mas molhar meus pés na água salgada, sentir o vento litorâneo, tocar os meus pés na areia... e, principalmente, olhar aquele gigante assustador com grandes ondas, aquele infinito imponente em minha frente... aquelas ondas batendo na areia talvez dê a dimensão do quão pouco eu sou e o quão pouco meus problemas valem... E isso me acalma.
Eu digo desde a adolescência que me sinto um pouco velho. Sempre me senti assim. Não tão efusivo como os outros (esses outros imaginários que povoam nossa mente e com os quais a gente se compara). Sempre fui um tom a menos talvez. Mas ao olhar pro mar o velho vai embora e a criança aparece. Uma criança maravilhada com aquele colosso. E a criança sorri por dentro.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A humilde residência




Você já  notou que  muitas músicas populares (as chamadas músicas chiclete) dos últimos tempos têm mais ou menos o mesmo texto?

Observe:

 Vou te esperar
Na minha humilde residência
Pra gente fazer amor
Mas eu te peço só um pouquinho de paciência,
A cama tá quebrada e não tem cobertor


No texto em questão, interpretado pelo Michel Teló, o “eu lírico”  reclama da mulher de quem gosta de que ela melhorou de vida e não se interessa mais por ele, porque ele não terminou seus estudos, não tem carro, não tem dinheiro, não tem nada... Mesmo assim ele a convida para sua “humilde residência” para fazerem “amor”, mesmo que sua cama sequer comporte essa possibilidade.

Vejamos outra pérola do cancioneiro nacional, dessa vez na voz de João Neto e Frederico:

Não tenho grana
Não tenho fama
Não tenho carro
Tô de carona

O meu cartão
Foi bloqueado
E o meu limite
Tá estourado

Sou simples
Mas eu te garanto
Eu sei fazer um Lê Lê Lê


Nessa música, o “eu lírico” diz para sua amada que ele não tem dinheiro, carro ou qualquer outro bem, mas que ele é bom de sexo, pelo que se supõe.

Eu não tenho carro, não tenho teto
E se ficar comigo é porque gosta
Do meu rá rá rá rá rá rá rá lepo lepo
É tão gostoso quando eu rá rá rá rá rá rá rá o lepo lepo


Nesse sucesso do Psirico, o personagem também diz que não tem nenhum bem material, mas sabe fazer “lepo lepo”, que, mais uma vez, supõe-se que tenha teor sexual.
Note que, apesar dos ritmos diferentes, de algumas palavras diferentes, o texto das três músicas é praticamente o mesmo. Poderíamos dizer até que se trata da mesma música  maquiada de formas diversas.
Quanto à última música, eu brinco que “Se ficar comigo é porque gosta”... de sofrer! Tudo bem que não se pode querer namorar, casar ou até sair com uma pessoa porque ela tem grana, um carro, um bom apartamento, porque pagará a conta do restaurante. Se procurarmos uma pessoa por esses atributos, depois não podemos reclamar se a pessoa nos trata como objeto, se nos falta carinho, atenção. Escolhemos a companhia pelo atributo errado. Escolhemos pela estabilidade financeira, mas cobramos pela parte afetiva. Isso dificilmente vai funcionar.
Por outro lado, ficar com alguém apesar de tudo, gostar de alguém que não possua nada é igualmente complicado. “Na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé” pode ser bonito em teoria, talvez não na prática. E, mesmo que o dinheiro falte, queremos pelo menos uma boa companhia, uma boa conversa, cumplicidade, pois só de sexo ninguém vive. (Ou muito poucos, pelo menos!)
O que chama a atenção que as músicas em questão (e outras tantas no mesmo roldão) pregam a maior importância da questão física ou da questão financeira em prol de outros atributos.
Há nessas músicas uma dicotomia entre o que a mulher espera de um homem (dinheiro, carro, cartão de crédito) e o que o homem pode lhe oferecer em troca (sexo). Não há espaço para outras qualidades (para mim mais importantes) como carinho, afeto, companheirismo, cumplicidade... valores sequer citados e provavelmente em baixa na sociedade de hoje.