domingo, 22 de dezembro de 2013

O que você fez?

Este ano tinha me prometido não publicar um texto natalino e deixar, como texto do mês de dezembro, apenas o texto do crème brûllée. Não resisti. Preciso escrever algo sobre o Natal. Essa época, para mim, é fim de ano, início de férias, tempo de repensar a vida, de planejar o ano seguinte, de olhar para o ano que passou e pensar em acertos, erros...
A gente faz resoluções de fim de ano. O que eu vou fazer de diferente no ano seguinte? O que eu quero para o próximo ano? Há quem diga que isso não serve para nada. Eu, nos últimos anos tenho feito e acho válido. Não para ficar o ano inteiro lendo as resoluções e as usando como meta. A vida não funciona assim. A vida vai tomando seu rumo. A gente toma algumas decisões aqui, ali... faz escolhas. E essas escolhas determinam nossas vidas em maior ou menor grau. Mas em muitos momentos os rumos independem da gente.
As resoluções de fim de ano valem como um norte. Para deixar lá no inconsciente desejos de mudança. Eu faço minhas resoluções no fim do ano e normalmente não as olho mais o ano inteiro. No final do ano, quando faço minha faxina de final de ano, acabo achando o papel e  analisando o que eu fiz ou não.
E se muitas coisas não foram feitas? Paciência. Não é uma cobrança.
Incomoda-me um tanto aquela música de Natal cantada pela Simone, que diz o seguinte: "Então é Natal. E o que você fez?"
É válido cobrar-se pelo que a gente não fez? Podemos pensar no que não fizemos como perspectiva para no ano seguinte fazer diferente, talvez, mas não como uma cobrança. E se eu não fiz nada de diferente no ano todo? Se o que eu fiz foi seguir minha vida normalmente sem mudar nada? Meu ano foi ruim se não houve nenhuma mudança significativa? Mede-se o sucesso de uma vida feliz pelo número  de realizações que se fez? Eu acho que não.
Como eu gosto de brincar: a vida é feita de feijão com arroz. Rocambole a gente só tem de vez em quando! Se eu passo a vida inteira o tempo todo tentando mudar tudo, não sou feliz, sou insatisfeito. Mudanças são necessárias muitas vezes. Dar alguns passos em direção ao crescimento pessoal, afetivo, financeiro são importantes. Nem sempre podemos nos esconder no cotidiano cômodo. Mas mudar tudo o tempo todo é igualmente ineficaz.
E se fosse para mudar, então a pergunta não seria, "o que você fez". Lamentar o que se fez e o que não se fez, não leva a nada. Então é Natal, e o que você fará?
Eu, pessoalmente acho que a música deveria ser: "Então é Natal. E o que eu faço com isso?" É Natal? Eu me sinto bem? Estou razoavelmente feliz? Então tudo bem. Tem algo que me incomoda? Posso mudar? Vamos lá. Lembrando sempre que as maiores mudanças são muito mais dentro da gente mesmo do que no mundo que nos cerca. Mudar a forma como a gente encara a vida acaba muitas vezes sendo muito mais eficiente do que mudar a vida em si. Não que mudanças no nosso cotidiano não sejam necessárias às vezes. São. Mas livrar-se de velhas ideias, velhos hábitos que não nos servem mais, tentar abrir-se para o mundo normalmente resolve bastante.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Crème Brûllée

Quando estudava francês em minha juventude e pesquisava sobre gostos e costumes franceses, deparei-me com uma sobremesa chamada "crème brûllé", que nada mais é que um creme de baunilha que leva um açúcar flambado por cima. Quando li a receita do doce, fiquei com vontade de comê-lo. Parecia delicioso de olhar pelas fotos, dava água na boca.
Sempre fiquei com ideia de provar a sobremesa, mas nunca o fiz. Primeiro que é um produto relativamente caro. Segundo, que, ainda que não seja tão difícil de achar, não é algo servido em qualquer boteco. E normalmente não costumo ir em restaurantes de cardápio mais elaborado para pedir o tal creme. Então, passaram-se muitos anos e eu com essa ideia latente de experimentar o quitute, mas por mil motivos acabou não acontecendo.
Esses dias, entrei em um restaurante, olhei o cardápio e lá estava o "crème brûllée"! Bingo! É hoje, pensei. Mais de dez reais por um ramequinzinho pela metade de um cremezinho de baunilha, mas vamos lá. Vou lamber os beiços. Quando eu era mais gordo, me recusaria de comer um pouquinho de algo caro. Depois que emagreci um pouco, acabei aprendendo que muitas vezes algo de sabor mais elaborado bem feito vale mais que um bastantão mais ou menos.
Então pedi o produto, esperei. (Demora um pouco para maçaricarem o açúcar em cima do doce, eu creio.) Quando aquele trocinho fervendo veio, provei  e descobri que não tinha gosto de nada. Era um caramelinho daqueles de pudim em cima de um cremezinho sem muito gosto. Esperei esfriar um pouco para ver se frio ficava melhor, mas não adiantou muito.
E eu imaginei que gosto teria um "crème brûllée" por uns vinte anos para descobrir que é totalmente sem graça! Não que seja totalmente ruim, não é. Mas não é o isso tudo que eu queria que fosse. Comi, tirei de minha cabeça e talvez não volte a comê-lo nunca mais em minha vida.
Tentando tirar uma lição disso para a nossa vida (A gente sempre tenta!), pensei que muitas coisas nós esperamos com ansiedade como se fossem resolver nossas vidas... ou até temos medo de fazê-las e fracassar (ou ter sucesso, sabe-se lá...) e nos medramos, vamos postergando, deixando para depois. E aí, no dia em que acontecem, a gente descobre que nem eram assim tão importantes para a gente, não valiam tanto a pena. Ou, se valiam muito a pena, poderiam ter sido feitas de forma mais simples muito tempo antes.
A questão aí é dimensionalizar as coisas: quanto mais acharmos que determinada ação que fizermos, vantagem que ganharmos, bem que adquirirmos, vai mudar nossas vidas, vai resolver todos os nossos problemas, mais difícil torna-se de realizarmos essa coisa. Deixaremos uma ação, que pode ser simples, transformada em algo muito complexo e, pela suposta complexidade, apavorante.  E, se pensarmos um pouco menos, se dermos menos importância ao fato, podemos tirar até mais proveito dele.
O mesmo vale para os medos que sentimos. Eu digo para as pessoas que os medos que a gente tem normalmente são ratos parados à nossa frente. Não temos coragem de encará-los então viramo-lhes a cara. Ao fazer isso, somos obrigados a encarar suas sombras projetadas na parede. E a sombra de um rato pode ganhar as dimensões de um leão ou de um elefante conforme a luz que a projeta. Aí assustamo-nos com um leão enorme à nossa frente, começamos até a ouvir-lhe o rugido, trememos... e o que temos, na verdade, é um mísero ratinho, que não nos pode fazer nada.
Eu sei que alguns vão dizer que um rato pode ser mais apavorante que um leão... Até pode. Mas um leão pode morder, estraçalhar uma presa... Um rato não pode fazer algo assim tão grave... Não estaríamos aí superdimensionalizando o ratinho?
Esperamos coisas pela vida toda, às vezes pensamos "serei feliz se acontecer algo", "serei feliz se conseguir tal coisa"... e normalmente a felicidade depende muito mais de algo interno do que que um acontecimento exterior. E aí, quando o interior muda, as dificuldades externas acabam sendo superadas mais facilmente, com uma certa naturalidade.
Esperamos pela vida toda por um "crème brûllée" e, no fim, esse nome pomposo todo não passa de um mingauzinho quente com um pouco de açúcar caramelado por cima.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Poema-cão




“A vida é um cão sentado à beira do caminho.” Escrevi essa frase uma vez quando eu era adolescente. Não passei à frase seguinte do suposto poema. Era um verso ruim demais... Até para meus padrões poéticos. Gosto de escrever contos, crônicas...  mas poemas são meu calcanhar de aquiles.  Nunca escrevi um que fosse sequer razoável.
A vida é um cachorro... Um cachorro sentado... Sentado à beira do caminho...
O que eu poderia querer dizer com isso?
A vida não é pensável? Irracional? A vida é subserviente, leal  como um cão?  Às vezes pode ser furiosa?
A vida não se movimenta? Está sentada? É perene? Imutável?
A vida não tem rumo? Está sentada à beira do caminho?
A vida da gente é à margem do mundo?Está à beira, não no caminho em si? Nossa existência é tão desprezível, que é alheia ao curso em si do Universo como um todo?
A vida é idiota? É um cão sentado à beira do caminho? Ou é muito mais simples do que a imaginamos?
Para qualquer frase, por mais estúpida que seja, sempre há uma interpretação. No caso desse verso, eu não sei se tinha uma quando escrevi. Também não faço ideia do que eu escreveria depois. Não vejo uma sequência plausível para uma atrocidade “literária” dessas.
Rasguei a folha na hora e desisti. Mas o verso ficou ecoando na minha mente até hoje.
Escrevi, nesses anos todos, vários poemas. Rasguei praticamente todos os que escrevi. Tenho até um neste blog e talvez esteja ali porque esqueço que ele existe.  Mas essa frase, a mais estúpida de todas, está até hoje comigo. Foi rasgada fisicamente, mas não desapareceu. Senti então que precisava escrevê-la de algum jeito. Se não num poema, pelo menos numa crônica.
Talvez escrever poemas seja um cão sentado à beira do caminho.
Talvez escrever em si seja um cão sentado à beira do caminho. 
Seja lá que interpretação se queira dar a isso.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ajudáveis



Outro dia, eu havia saído do trabalho, pegado um ônibus até o centro e, do centro para minha casa, eu tenho optado por vir a pé. Não é um trajeto tão pequeno, é uma boa caminhada, mas, dadas as condições do transporte público, acaba me sendo mais fácil do que me atopetar em um ônibus lotado e demorado, em condições desumanas de receber pessoas ou esperar horas em uma fila por um lugar em uma lotação.
            Nessa caminhada diária, resolvi passar no supermercado comprar suco de laranja, que estava faltando. Eu sou assim mesmo: entro no supermercado para comprar uma ou duas coisas, não pego carrinho nem cestinho de compras e, depois, vou encontrando pelo estabelecimento outras tantas coisas de que também preciso e, quando vejo, estou com as mãos e braços cheios de compras que nem consigo carregar direito.
            Dirigia-me então ao caixa atrolhado de produtos nos braços, mãos, equilibrando-os com o peito e até o queixo. Entrei na fila para esperar minha vez de ser atendido e despejar aquelas quantidades na esteira rolante do caixa.
            Foi quando um rapaz  da fila ao lado abaixou-se, pegou um cestinho que estava no chão perto de si e me alcançou. Agradeci meio incrédulo com um “obrigado” baixinho e pus minhas aquisições no objeto. Ele sorriu e disse “Estava ali dando sopa...” referindo-se ao cesto de compras. Eu não falei mais nada. Poderia ter agradecido com bem mais veemência, poderia ter dito alguma coisa... mas não consegui.
            Saindo do supermercado, isso me fez pensar em duas coisas:
            Primeiro: a gente está tão desacostumado a receber um ato de generosidade de outra pessoa, que não sabe nem  como agradecer quando isso acontece. Na nossa vida atual, com tanta gente nos esbarrando na rua e não pedindo desculpas; nos xingando por coisas que elas próprias fizeram, com vontade de descontar toda a frustração de suas vidas no primeiro que passar pela frente;  tão ensimesmadas que você muitas vezes está preparado para se defender e um ato mais altruísta de surpreende.
            O rapaz fez o que sua boa educação o mandava: ajudar uma pessoa mais velha em dificuldade. Ou ajudar qualquer pessoa em dificuldade, em suma. Um ato que não lhe custou nada, tenho certeza, mas que é muito difícil hoje em dia. Um ato físico simples eu diria, mas um ato mental maior: o de pensar no outro, no que o outro pode estar precisando; o de se colocar no lugar de alguém e imaginar suas dificuldades, que, talvez hoje não seja assim tão simples.
            O que leva a um segundo fato: o rapaz, ao ter o desprendimento de pensar no outro, poderia ter seu ato altruísta visto com maus olhos à pessoa que ele tentou ajudar. A pessoa poderia ter-lhe dito “Eu te pedi ajuda?” “Você acha que eu não sei me virar sozinho?” ou algo do tipo. Há pessoas incapazes de reconhecer no outro um ato positivo. Iriam tentar achar um motivo excuso na boa intenção do outro. São pessoas que não se abrem para serem ajudadas. São “inajudáveis”, digamos. Eu não faria isso, obviamente. Entendo um gesto de desprendimento e o valorizo. Mas creio que para que um ato de generosidade possa ter êxito é preciso uma parte querendo ajudar e outra disposta a ser ajudada. E, se você quiser ajudar aos outros, tem que estar preparado para que sua ajuda, às vezes, não seja muito bem recebida.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O homem das letras não sabe escrever poemas



Dia dos namorados. Momento de externar nossos sentimentos para aquela pessoa que escolhemos para amparar nossos passos bambas, apoiar nosso mundo torto, ...
 Não que não devamos fazer isso sempre e eu tento, mas é um dia para se deixar isso mais marcado. Comprar uma lembrança, fazer um cartão, dizer palavras bonitas, dar flores...
E aí entra meu problema. Eu, que me creio escritor amador, que me penso com certa facilidade de expor meus sentimentos por escrito, travo completamente na hora de escrever a mensagem do cartão.
Não que eu tenha dificuldade em mostrar meus sentimentos, acho que às vezes até os demonstro demais. Eu faço meus cartões, colo coraçõezinhos, digo seguidamente que a amo,  às vezes sou até meio meloso para meu próprio gosto e tento segurar meu afã.
Mas na hora de escrever, de pôr meu sentimento em relação à minha namorada em palavras, elas me escapam.
Às vezes tomo coragem e crio um texto de algumas linhas. Até entrego a ela em alguns casos, mas sei que o que escrevi me é horrível. Soa piegas, não expressa o que sinto, não tem literariedade nenhuma... Lixo completo.
Este ano confeccionei meu cartãozinho, fiz desenho, colagem.... encontrei um texto que julguei bonito... e escrevi duas linhas de minha autoria… num simples “Feliz dia dos namorados” chocho.
Ela, por sua vez, me deu um cartão com um belo texto do Neruda e um texto muito bonito de sua autoria. Lindo.
E a mulher que namora o cara que gosta de escrever não ganha um lindo texto escrito só para ela. Ganha um insensível “Feliz dia dos Namorados”...  Um homem que deveria ter habilidade estilística para comovê-la, mas mostra-se arredio frente a palavras doces.
Machismo? Criação interiorana? Demonstrar sentimentos soa-me feminino? Não sei... A verdade é que não sai.
Tento compensar isso com um cartão feito por mim, flores, enfim... Mas fico devendo as palavras.




quinta-feira, 11 de abril de 2013

Momento juba



Estava sentado em minha sala de trabalho e entra minha colega. Notei que ela está com o cabelo diferente. Pensei que tinha feito alguma escova, hidratação, relaxamento, ou sei lá que nome as mulheres dão a tudo o que fazem no cabelo. O fato é que estava mais volumoso, maior. Parecia que estava com bem mais cabelo que o habitual. Falei:
_ Mudou o penteado?
Vi que ela ficou meio sem graça. A gente nunca sabe quando elogiar uma mulher. Se você não nota o penteado novo, você é insensível... Se você nota quando não deveria notar, é insensível também... na dúvida peque pela falta. As mulheres vão pensar: “Os homens não reparam em nada mesmo!” E você se safa pela desculpa do gênero. Pequei pelo excesso, infelizmente.
Ela então me explicou que havia saído apressada e não havia tido tempo de dar um jeito no cabelo. Então pegou um creme que prometia dar volume ao cabelo e passou-o. Segundo ela, o cabelo ficou volumoso e duro. Todos na escola estavam notando a diferença e ela estava muito incomodada.
O que fazia essa moça com um creme que nunca usara, nunca testara? Não sei. Mas o fato é que ela tinha.
Sei como ela estava se sentindo. Você põe uma roupa diferente, não se sentiu bem com ela e todo mundo nota. Se ninguém notar você fica feliz, pensa: “Estou como todos os dias.” O que, nesse momento, é uma bênção. Tudo o que você quer é estar igual a todos os dias. Mas você não está. E as pessoas notam. Você quer sumir. Esconder-se no primeiro vaso de plantas que exista. Mas tem que erguer a cabeça, seguir em frente e sustentar a mudança. Por mais difícil que seja às vezes. Entendo perfeitamente.
Mas o engraçado é que a mesma colega sempre me conta que invejava suas amigas na adolescência, pois tinham cabelos volumosos e o seu era fino. Sempre quis ter um cabelão, como ela diria, mas não tinha. Nesse dia, no entanto, ela estava realmente com um cabelão, mas não estava contente com isso. Havia conseguido o que sempre quisera, mas não estava feliz.
Às vezes é assim... recebemos  o que queremos, mas não da forma que queremos... Ou recebemos o que sempre sonhamos, da forma como sonhamos... mas descobrimos que na verdade não o queríamos. Isso acontece com aqueles sonhos meio impossíveis, que sonhamos  e acreditamos não poder realizar... Talvez os queiramos por acreditá-los impossíveis. Talvez seja realmente um sonho, mas nossa realização idealizada não condiz com a realidade, quando ela acontece... Mas é interessante pensar sobre isso.
Perguntada sobre o assunto, a referida colega disse que queria sim ter um lindo cabelo volumoso, daqueles de propaganda de xampu, sedoso, esvoaçante. O que ela tinha ganhado, no entanto, era uma juba de leoa arrepiada (segundo a própria), dura, sem brilho.
É. Nem sempre a vida nos dá o que pedimos da forma como pedimos. E a gente sorri (quando consegue) e segura no osso. Fazer o quê?

domingo, 7 de abril de 2013

O jovem velho

Olhou para si mesmo e não se reconheceu... Dentro de si pensava ter 15 anos, mas seu exterior retratava uns quarenta! Era um velho com pensamento de uma criança!
Talvez nem quarenta anos seja a velhice total... Nem 15 anos, a  mais completa infância... mas, para o homem de quarenta, era como sentir-se muito infantil.... Para o jovem de 15, era ter uma feição muito velha...
Teria quarenta? Teria 15? Sobre qual ponto de vista?
Não sabia.
Acordara, olhara-se no espelho e vira-se assim: alguns fios de cabelo branco ornando-lhe a fronte; alguns pés de galinha apontando próximo às pápebras; rosto mais alongado... Quando havia ido dormir, tinha 15 anos! O que teria acontecido? Teria entrado em um coma profundo durante o sono e ficado vinte e cinco anos inconsciente numa cama de hospital?
Não estava em um hospital.
Estava em casa.
E se tivesse sido mandado pra casa porque, após tantos anos, não se esperava mais que acordasse?
Sua casa teria mudado. Mas era incrivelmente a mesma.
Sua família também. Estava exatamente igual ao que ele lembrava. Não mudara em nada. E tratavam-no como se ele mesmo não tivesse mudado. Mas ele mudara.
Talvez tivesse vivido vinte e cinco pensando ainda ter quinze e de repente dera-se conta de que a vida passara e ele não percebera...
Era realmente o mais provável.
E o que fazer quando a gente se dá conta um dia de que tem quarenta? De que tem sessenta? De que tem oitenta?... quando dentro de si acreditou-se ainda estar na adolescência? Estar na fase da tranquilidade, das realizações e até o dia anterior pensar estar na fase das grandes descobertas, dos grandes medos, das grandes insatisfações, dos grandes  prazeres? O que fazer quando um dia finalmente cai a ficha?
Desesperar-se? Inútil. Aceitar? Como se aceita ter envelhecido vinte e cinco anos em uma noite?
A pessoa volta para a cama, dorme mais um pouco e tenta acordar novamente, só que com outra sensação? Talvez não funcione.
Talvez não haja uma resposta.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Sensualizar

Esses dias eu estava assistindo ao Programa da Eliana no domingo e estava passando um quadro em que algumas mulheres aparecem sentadas em cadeiras, enquanto homens passam por elas numa esteira e elas têm que dizer se querem sair com eles ou não. Eu poderia fazer um longo texto dizendo que amor virou mercadoria, que as mulheres escolhem os homens numa esteira como se estivessem numa gôndola do supermercado, falar na supremacia do corpo sobre a mente, na descartabilidade dos relacionamentos, mas até aí muito já foi dito, muito já foi escrito. Eu não acrescentaria nada de novo.
O amor, assim como tudo, tornou-se um produto e está à venda. Mas, nesse caso, as mulheres e homens que aparecem no programa estão ali mais para conseguir cinco minutos de fama do que para encontrar alguém. E,  de quebra, de repente, tirar umas casquinhas...
O que me chamou a atenção foi que um desses rapazes que desce da esteira para se apresentar (sim, eles tem um minuto para fazer algo interessante, mostrar alguma habilidade para conquistar as moças) diz que vai sensualizar usando uma pedra de gelo. Rapazinho de academia, se achando o gostoso, levanta a camiseta e começa a passar a pedra de gelo no mamilo, ao que a apresentadora manda-o parar e baixar a camiseta. Talvez até para um programa desses o rapaz tenha descido meio baixo demais!
Alguns desses caras às vezes tocam algum instrumento, cantam, falam um pouco de suas vidas, de seus gostos... mas a maioria parece ter como única habilidade tirar a camisa ou fazer alguma dança dessas modernas em que se mexe o bumbum e sacode a região pubiana. O rapaz em questão, deveria ter, como melhor parte sua, o mamilo, visto que resolveu usá-lo para ganhar a atenção do sexo oposto. Talvez fosse sua melhor qualidade, não vou julgar. Cada um luta com as armas que tem. Também não vou entrar nesse mérito.
Que fique claro que não sou contra a pessoa cuidar do corpo, ir para academia, investir na aparência, querer sentir-se bem e mostrar aos outros um visual que agrade aos olhos, nem a usar isso como objeto de conquista. Somos animais, sentimo-nos atraídos pelo que vimos, cheiramos, tocamos, ouvimos. Nada mais natural. Ainda que eu espere que o nível de conquista deva tender a ir subindo com o tempo de convívio e, para chegar a amor, precise percorrer meandros como respeito, admiração, companheirismo, mas também não vou discutir isso. Exigir todos esses requisitos em um programa de uma hora semanal num domingo à tarde seria demais...
O que me fez parar para pensar foi o rapaz falar que iria sensualizar com uma pedra de gelo... Confesso que a palavar "sensualizar" me incomoda. E está sendo muito usada hoje em dia. As pessoas falam muito em sensualizar.
Posso ser antigo, mas sou do tempo em que "sensual" não é uma ação, mas um estado. Não se sensualiza, se é ou não se é sensual.
Ser sensual está nos gestos, numa delicadeza de movimentos (pelo menos na mulher), na forma de falar, na forma de caminhar. Uma mulher sensual tem uma delicadeza, uma sutileza ou até mesmo uma ousadia em mostrar certas partes do seu corpo.
Há mulheres muito bonitas que não são sensuais. Ser sensual é uma qualidade. Nasce com algumas pessoas. Outras aprendem a despertá-la...
Fazer caras, bocas, sacudir a bunda... pode ser provocativo, às vezes erótico. Pode interessar-nos, mas não é sensual. Eu gosto de  ver uma bunda rebolando, mas acho que algumas vezes um pescoço à mostra pode ser mais sensual que isso.
Hoje em dia os homens também "sensualizam" sacudindo a bunda, balançando o púbis ou simplesmente tirando a camisa, mas me pergunto se é isso que desperta sensações no sexo oposto. Se é isso sensual?
Passar uma pedra de gelo no mamilo é sensual?
A gente pode não ser sensual em nada mas, em dado momento, começar a sensualizar? A gente controla nossa própria sensualização? Eu sensualizo quando quero?
Acho que não. Às vezes a gente desperta sensações nos outros mesmo quando não estamos fazendo nada. Eu posso achar sensual uma mulher sentada numa mesa de café escrevendo. Ou a forma que ela cruza as pernas em um assento de consultório médico. As mulheres em questão não estão sensualizando para mim. Pelo menos não conscientemente. Na minha opinião, ser sensual não é um ato totalmente consciente e depende tanto do sensualizador quanto do sensualizado. E, se for totalmente consciente, perde um tanto de sua eficácia.
Eu posso achar um decote sensual. Outra pessoa pode achá-lo vulgar. Para outra, pode não dizer nada. O sensual depende do olhar de um sobre determinado ato de outro.
Você pode provocar outra pessoa, deixá-la eriçada,  fazê-la te olhar com tesão. Mas é isso sensual?
Talvez seja. Talvez eu seja meio romântico, não sei. Mas espero que à maioria das mulheres seja necessário um pouco mais do que "sensualizar" com o mamilo para deixá-las interessadas.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ser você mesmo?

_ Você deixaria de ver esses seus amigos por mim?
_ Não, claro que não.
_ Puxa, nosso amor vale tão pouco para você assim para você não abrir mão de nada por mim? Então você não me ama.
_ Talvez o meu amor é que valha muito pouco para você para ser condicionado a um pedido desses.
_ Você não abre mão de nada. É egoísta. Não é capaz de me dar essa prova de amor?
_ Fazer grandes feitos para provar seu amor é muito amor cortês e o amor cortês ficou lá pela Idade Média.
_ Lá vem você com seu falso intelectualismo livresco...
_ Se minhas verdades são falsas para você, talvez eu não precise dizer mais nada...
_ Não me venha com suas bobagens... Então você prefere seus amigos a mim?
_ Eu prefiro minha liberdade a sua prisão.
_ Nossa... E depois você vem falar que minha visão de amor é que é um conceito datado da Idade Média!
_ Quem ama não pede para o outro mudar.
_ Quem ama muda pelo outro.
_ Ninguém muda por ninguém. As pessoas mudam quando sentem necessidade.
_ E você não sente necessidade de amadurecer? De levar nosso relacionamento mais a sério?
_ Se você me ama, me ama como sou: infantil, sem noção, piegas... do jeito que for!
_ Você ama tanto seusa amigos, sua liberade, sua solterice, que me põe sempre em segundo plano! Se quer ter um relacionamento sério tem que abdicar de alguma coisa!
_ Você acha que não temos um relacionamento sério?
_ Acho! Eu estou sempre em segundo plano em sua vida e ninguém gosta de ser segundo plano, de receber restos de atenção, de carinho.
_ Quanto melodrama...
_ Se você preza tanto sua solteirice, porque quer estar a meu lado? Tem tanta gente por aí interessada num relacionamento sem compromisso...
_ Eu tenho um compromisso com você. Sou fiel a você. Te amo. Mas não vou abdicar de minha vida por você, será que você entende?
_ Sinceramente? Eu não entendo...
_ Não entende porque as coisas sempre tem que ser do seu jeito.
_ Do meu jeito? Você não abre mão de nada por mim e eu é que faço tudo do meu jeito?
_ Você só fala merda!
_ E você não sabe ter uma conversa séria sem baixar o nível. Criancinha!
_ Você só vê defeitos em mim!
_ Você é que não me valoriza!
_ E você é tão prepotente.
_ Você é tão insensível.
_ Você é tão incoerente.
_ E você sempre tem que dar a última palavra.
_ E você tem que ser sempre... você!