terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ego

Minha namorada me presenteou com uma revistinha de um personagem chamado Gaturro do artista argentino Nik. Numa das tiras, Agatha, namorada/esposa do personagem principal, fala para ele que o local onde eles estão é só deles. Noutro quadrinho ela aparece dizendo para um gatinho bebê para ele não emprestar a ninguém sua mamadeira. No terceiro quadrinho, ela aconselha outro gato a guardar suas ideias só para si. No quarto quadrinho, fala para uma gatinha para não dividir com ninguém sua maquiagem. No último aparecem todos os personagens juntos e Agatha mais longe e Gaturro fala: "Como a Agatha é generosa! Compartilha seu egoísmo com todo mundo!
Nunca havia pensado nisso: o egoísmo não é guardado pela pessoa só para ela. Uma pessoa egoísta precisa compartilhar seu egoísmo com os outros. Ela é egoísta com tudo, no entanto é generosa apenas no ato de dividir com os outros seu egoísmo.
Não basta ser egoísta, é preciso fazer dos outros pessoas egoístas. Provar para os outros que sua forma de pensar e agir é a única correta é também um ato de egoísmo. Agatha manda um dos gatos guardar suas ideias só para si, mas não consegue ela própria, fazer isso.  É preciso exteriorizar. É preciso ser ouvido muito mais que ouvir. Eu quero que ouçam minhas ideias, mas os outros, que guardem as suas para si mesmos, elas não me interessam.
Ser egoísta é centrar-se em si mesmo, estar voltado para o seu próprio "ego". E usar os outros como espelho para ver-se a si próprio. Eu dou conselhos, sou generoso, compartilho meu conhecimento, mas não admito que façam o mesmo comigo...
Lembro-me uma vez de ter entrado num site em que as pessoas publicavam suas poesias. Comecei a ler as poesias de outra pessoa. Gostei do texto, mas achei que havia algum problema de estrutura. Comentei dizendo isso. Que o poema dela era bom, mas que poderia fazer alguns ajustes aqui e ali.  E qual não foi minha surpresa quando recebo resposta, não só da autora, mas de vários outros membros do fórum dizendo que se eu não havia gostado do texto que me calasse, que eu só entrasse ali se fosse para elogiar, que escrever poemas não tem certo ou errado, que eu devia admirar o poema e não criticá-lo...
Primeiro que  eu gostei do poema. Os textos da referida moça era bons. Eu fiz apenas um comentário tentando ajudá-la. Talvez tenha sido egoísmo meu em achar-me no direito de expressar minhas críticas, mas eu tenho certeza de que não me ofenderia se me criticassem. Claro que críticas grosseiras, no sentido de te pôr para baixo, ofendem, magoam. Ninguém gosta de ter seu ego destruído, talvez... Mas se fosse algo que me servisse para melhorar, por que não? Se todo mundo me elogia, posso ficar feliz, mas não crescerei com isso. Se as pessoas postavam num site seus poemas e a regra era todo mundo entrar ali para elogiar, então era porque os elogios não eram sinceros. As pessoas ali não publicavam para serem lidas, publicavam para ter seus egos massageados.
Talvez todo escritor seja um egoísta, que quer compartilhas seus sentimentos mais profundos, que, por serem profundos, só interessam a ele mesmo... Mas é necessário também estar preparado para a crítica eventual.
Há pessoas que escrevem só para serem elogiadas (talvez todo mundo escreva para ser elogiado, é verdade, mas no mínimo é necessário perceber-se falível)... Há pessoas que te contam suas vidas para que você apenas as ouça; se você falar sobre si, elas te cortam... se você disser o que pensa sobre elas, se ofendem. Há pessoas que te dão mil conselhos, mas não querem ser aconselhadas.
Por mais que queiramos ser elogiados, agradecidos, ouvidos, há que se abrir espaço para a troca.