domingo, 22 de dezembro de 2013

O que você fez?

Este ano tinha me prometido não publicar um texto natalino e deixar, como texto do mês de dezembro, apenas o texto do crème brûllée. Não resisti. Preciso escrever algo sobre o Natal. Essa época, para mim, é fim de ano, início de férias, tempo de repensar a vida, de planejar o ano seguinte, de olhar para o ano que passou e pensar em acertos, erros...
A gente faz resoluções de fim de ano. O que eu vou fazer de diferente no ano seguinte? O que eu quero para o próximo ano? Há quem diga que isso não serve para nada. Eu, nos últimos anos tenho feito e acho válido. Não para ficar o ano inteiro lendo as resoluções e as usando como meta. A vida não funciona assim. A vida vai tomando seu rumo. A gente toma algumas decisões aqui, ali... faz escolhas. E essas escolhas determinam nossas vidas em maior ou menor grau. Mas em muitos momentos os rumos independem da gente.
As resoluções de fim de ano valem como um norte. Para deixar lá no inconsciente desejos de mudança. Eu faço minhas resoluções no fim do ano e normalmente não as olho mais o ano inteiro. No final do ano, quando faço minha faxina de final de ano, acabo achando o papel e  analisando o que eu fiz ou não.
E se muitas coisas não foram feitas? Paciência. Não é uma cobrança.
Incomoda-me um tanto aquela música de Natal cantada pela Simone, que diz o seguinte: "Então é Natal. E o que você fez?"
É válido cobrar-se pelo que a gente não fez? Podemos pensar no que não fizemos como perspectiva para no ano seguinte fazer diferente, talvez, mas não como uma cobrança. E se eu não fiz nada de diferente no ano todo? Se o que eu fiz foi seguir minha vida normalmente sem mudar nada? Meu ano foi ruim se não houve nenhuma mudança significativa? Mede-se o sucesso de uma vida feliz pelo número  de realizações que se fez? Eu acho que não.
Como eu gosto de brincar: a vida é feita de feijão com arroz. Rocambole a gente só tem de vez em quando! Se eu passo a vida inteira o tempo todo tentando mudar tudo, não sou feliz, sou insatisfeito. Mudanças são necessárias muitas vezes. Dar alguns passos em direção ao crescimento pessoal, afetivo, financeiro são importantes. Nem sempre podemos nos esconder no cotidiano cômodo. Mas mudar tudo o tempo todo é igualmente ineficaz.
E se fosse para mudar, então a pergunta não seria, "o que você fez". Lamentar o que se fez e o que não se fez, não leva a nada. Então é Natal, e o que você fará?
Eu, pessoalmente acho que a música deveria ser: "Então é Natal. E o que eu faço com isso?" É Natal? Eu me sinto bem? Estou razoavelmente feliz? Então tudo bem. Tem algo que me incomoda? Posso mudar? Vamos lá. Lembrando sempre que as maiores mudanças são muito mais dentro da gente mesmo do que no mundo que nos cerca. Mudar a forma como a gente encara a vida acaba muitas vezes sendo muito mais eficiente do que mudar a vida em si. Não que mudanças no nosso cotidiano não sejam necessárias às vezes. São. Mas livrar-se de velhas ideias, velhos hábitos que não nos servem mais, tentar abrir-se para o mundo normalmente resolve bastante.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Crème Brûllée

Quando estudava francês em minha juventude e pesquisava sobre gostos e costumes franceses, deparei-me com uma sobremesa chamada "crème brûllé", que nada mais é que um creme de baunilha que leva um açúcar flambado por cima. Quando li a receita do doce, fiquei com vontade de comê-lo. Parecia delicioso de olhar pelas fotos, dava água na boca.
Sempre fiquei com ideia de provar a sobremesa, mas nunca o fiz. Primeiro que é um produto relativamente caro. Segundo, que, ainda que não seja tão difícil de achar, não é algo servido em qualquer boteco. E normalmente não costumo ir em restaurantes de cardápio mais elaborado para pedir o tal creme. Então, passaram-se muitos anos e eu com essa ideia latente de experimentar o quitute, mas por mil motivos acabou não acontecendo.
Esses dias, entrei em um restaurante, olhei o cardápio e lá estava o "crème brûllée"! Bingo! É hoje, pensei. Mais de dez reais por um ramequinzinho pela metade de um cremezinho de baunilha, mas vamos lá. Vou lamber os beiços. Quando eu era mais gordo, me recusaria de comer um pouquinho de algo caro. Depois que emagreci um pouco, acabei aprendendo que muitas vezes algo de sabor mais elaborado bem feito vale mais que um bastantão mais ou menos.
Então pedi o produto, esperei. (Demora um pouco para maçaricarem o açúcar em cima do doce, eu creio.) Quando aquele trocinho fervendo veio, provei  e descobri que não tinha gosto de nada. Era um caramelinho daqueles de pudim em cima de um cremezinho sem muito gosto. Esperei esfriar um pouco para ver se frio ficava melhor, mas não adiantou muito.
E eu imaginei que gosto teria um "crème brûllée" por uns vinte anos para descobrir que é totalmente sem graça! Não que seja totalmente ruim, não é. Mas não é o isso tudo que eu queria que fosse. Comi, tirei de minha cabeça e talvez não volte a comê-lo nunca mais em minha vida.
Tentando tirar uma lição disso para a nossa vida (A gente sempre tenta!), pensei que muitas coisas nós esperamos com ansiedade como se fossem resolver nossas vidas... ou até temos medo de fazê-las e fracassar (ou ter sucesso, sabe-se lá...) e nos medramos, vamos postergando, deixando para depois. E aí, no dia em que acontecem, a gente descobre que nem eram assim tão importantes para a gente, não valiam tanto a pena. Ou, se valiam muito a pena, poderiam ter sido feitas de forma mais simples muito tempo antes.
A questão aí é dimensionalizar as coisas: quanto mais acharmos que determinada ação que fizermos, vantagem que ganharmos, bem que adquirirmos, vai mudar nossas vidas, vai resolver todos os nossos problemas, mais difícil torna-se de realizarmos essa coisa. Deixaremos uma ação, que pode ser simples, transformada em algo muito complexo e, pela suposta complexidade, apavorante.  E, se pensarmos um pouco menos, se dermos menos importância ao fato, podemos tirar até mais proveito dele.
O mesmo vale para os medos que sentimos. Eu digo para as pessoas que os medos que a gente tem normalmente são ratos parados à nossa frente. Não temos coragem de encará-los então viramo-lhes a cara. Ao fazer isso, somos obrigados a encarar suas sombras projetadas na parede. E a sombra de um rato pode ganhar as dimensões de um leão ou de um elefante conforme a luz que a projeta. Aí assustamo-nos com um leão enorme à nossa frente, começamos até a ouvir-lhe o rugido, trememos... e o que temos, na verdade, é um mísero ratinho, que não nos pode fazer nada.
Eu sei que alguns vão dizer que um rato pode ser mais apavorante que um leão... Até pode. Mas um leão pode morder, estraçalhar uma presa... Um rato não pode fazer algo assim tão grave... Não estaríamos aí superdimensionalizando o ratinho?
Esperamos coisas pela vida toda, às vezes pensamos "serei feliz se acontecer algo", "serei feliz se conseguir tal coisa"... e normalmente a felicidade depende muito mais de algo interno do que que um acontecimento exterior. E aí, quando o interior muda, as dificuldades externas acabam sendo superadas mais facilmente, com uma certa naturalidade.
Esperamos pela vida toda por um "crème brûllée" e, no fim, esse nome pomposo todo não passa de um mingauzinho quente com um pouco de açúcar caramelado por cima.