terça-feira, 1 de julho de 2014

Saudades da infância



“Ai que saudades que tenho,
             Da aurora da minha vida,
             Da minha infância querida,
             Que os anos não trazem mais.”

Esse poema é emblemático porque trata de algo que nos mexe muito, que é uma saudade bucólica de uma infância idílica. (Bonito isso, não?) Quase todo mundo volta e meia se pega pensando nos seus primeiros anos de vida e no quanto eles eram melhores que hoje. Não havia responsabilidades, não tinha que trabalhar, não havia contas a pagar, apenas brincava-se, ria-se e era-se feliz. Volta e meia aparecem pela Internet textos que dizem que a infância de antigamente era melhor que a de hoje, que, naquela época brincava-se de verdade, que não se sofria bullying, que tudo era perfeito.  A gente tende a imaginar uma infância perfeita e a ter saudades dela.
Mentiras que nos contamos.
Eu sofri bullying sim e não me foi fácil. Ser o nerd da escola, o c.d.f., o que tira as melhores notas teve seu preço. A falta de sociabilidade também.  Sobrevivi? Sim. Mas não sem alguns traumas. Talvez não existissem terapeutas se as infâncias de antigamente tivessem sido tão felizes quanto alguns as anunciam.
Ao fim e ao cabo temos saudades de uma infância que nunca existiu e que nós criamos talvez porque seja tão reconfortante acreditar que em algum momento da vida fomos felizes, tanto quanto pensar que teremos uma eternidade tranquila após nossa morte. Viemos de um lugar feliz. Voltaremos a uma felicidade completa. No caminho, as dificuldades.
Claro que há coisas em minha infância de que tenho saudades. Correr de bicicleta por tudo naquela cidade pequena;  jogar bola na praia... ou raquete; ter mais tempo para desenhar, para escrever textos... Poderia listar mais coisas. Mas não vem ao caso. A questão é que eu poderia também fazer uma lista igualmente grande (senão maior) de coisas que não me agradavam. Essa felicidade (naquela época ou hoje) existiu, mas em alguns momentos aqui e ali, não como uma constante. A felicidade é a exceção, não a regra. Assim como  a tristeza também, felizmente. Na maior parte do tempo a gente vive em algum estágio entre esses dois sentimentos tão idealizados. A gente se frustra, a gente se satisfaz, a gente teme, a gente se realiza, a gente deseja... Na maior parte do tempo temos sentimentos bem mais concretos (que muitas vezes nem sabemos nominar) do que gastando nosso tempo sendo felizes ou tristes.
Somos, na maior parte das vezes um conjunto de sentimentos desconexos, misturados e, por vezes, até conflitantes. Não fomos felizes o tempo todo. Sofremos, penamos, nos desesperamos. Porque crescer é sofrido, viver é difícil. A vida, muitas vezes, dói. Tanto que muitas pessoas recusam-se a crescer. Viram adultos e mantêm-se crianças. E aí sofrem também. Porque ser criança também não é tão fácil assim. Ainda mais para um adulto.