“Ai que saudades que tenho,
Da aurora
da minha vida,
Da minha
infância querida,
Que os
anos não trazem mais.”
Esse poema é emblemático porque trata de algo que nos mexe muito, que é uma saudade bucólica de uma infância
idílica. (Bonito isso, não?) Quase todo mundo volta e meia se pega pensando nos
seus primeiros anos de vida e no quanto eles eram melhores que hoje. Não havia
responsabilidades, não tinha que trabalhar, não havia contas a pagar, apenas
brincava-se, ria-se e era-se feliz. Volta e meia aparecem pela Internet textos
que dizem que a infância de antigamente era melhor que a de hoje, que, naquela
época brincava-se de verdade, que não se sofria bullying, que tudo era
perfeito. A gente tende a imaginar uma
infância perfeita e a ter saudades dela.
Mentiras que nos contamos.
Eu sofri bullying sim e não me
foi fácil. Ser o nerd da escola, o c.d.f., o que tira as melhores notas teve
seu preço. A falta de sociabilidade também.
Sobrevivi? Sim. Mas não sem alguns traumas. Talvez não existissem
terapeutas se as infâncias de antigamente tivessem sido tão felizes quanto
alguns as anunciam.
Ao fim e ao cabo temos saudades
de uma infância que nunca existiu e que nós criamos talvez porque seja tão
reconfortante acreditar que em algum momento da vida fomos felizes, tanto
quanto pensar que teremos uma eternidade tranquila após nossa morte. Viemos de
um lugar feliz. Voltaremos a uma felicidade completa. No caminho, as
dificuldades.
Claro que há coisas em minha
infância de que tenho saudades. Correr de bicicleta por tudo naquela cidade
pequena; jogar bola na praia... ou
raquete; ter mais tempo para desenhar, para escrever textos... Poderia listar
mais coisas. Mas não vem ao caso. A questão é que eu poderia também fazer uma
lista igualmente grande (senão maior) de coisas que não me agradavam. Essa
felicidade (naquela época ou hoje) existiu, mas em alguns momentos aqui e ali,
não como uma constante. A felicidade é a exceção, não a regra. Assim como a tristeza também, felizmente. Na maior parte
do tempo a gente vive em algum estágio entre esses dois sentimentos tão
idealizados. A gente se frustra, a gente se satisfaz, a gente teme, a gente se
realiza, a gente deseja... Na maior parte do tempo temos sentimentos bem mais
concretos (que muitas vezes nem sabemos nominar) do que gastando nosso tempo
sendo felizes ou tristes.
Somos, na maior parte das vezes
um conjunto de sentimentos desconexos, misturados e, por vezes, até
conflitantes. Não fomos felizes o tempo todo. Sofremos, penamos, nos
desesperamos. Porque crescer é sofrido, viver é difícil. A vida, muitas vezes,
dói. Tanto que muitas pessoas recusam-se a crescer. Viram adultos e mantêm-se
crianças. E aí sofrem também. Porque ser criança também não é tão fácil assim.
Ainda mais para um adulto.