quarta-feira, 18 de abril de 2012

Síndrome de Procusto

Procusto pertence à Mitologia grega e era um ladrão. Seu truque era receber as pessoas em sua casa e convidá-las para dormir em sua cama. A cama de Procusto tinha exatamente o seu tamanho. Das pessoas que fossem maiores que a cama, o ladrão cortava as partes excedentes. De quem fosse menor, o fascínora as esticava até que ficassem do tamanho adequado.
Esse mito serve para nos fazer pensar que muitas pessoas agem em suas vidas como procustos. E não estou falando em mutilações físicas. Há muitos procustos no campo das ideias. Pessoas que querem que as ideias dos outros, que a vida dos outros caibam em seu padrão rígido.
"Fulana trabalha e não tem tempo para os filhos. Que absurdo!" Cicrana não trabalha e só cuida dos filhos: que desocupada. Não ajuda o marido, coitado!" e assim por diante. As pessoas tem que caber em seus rígidos padrões de moral ou estão erradas. E julgam a todos. Condenam, inclusive. Elas são perfeitas, suas vidas maravilhosas... os outros estão sempre errados se não seguirem seus desígnios.
Pensa-se comumente que todo procusto é uma pessoa antiquada, séria, carola... Ledo engano! Muitos são pessoas pensadoras, inteligentes. Mas podam os outros naquilo que pensam... "Eu te deixo pensar, desde que, no final das contas, penses igual a mim." seria o lema delas. Pessoas autoritárias, que não aceitam opiniões alheias, ou até fingem que aceitam, encaixam-se muito bem aqui. "Minhas ideias são melhores que as tuas. Minha forma de ver o mundo é a única certa." E querem te fazer pensar como elas. Quem te podar, cortar teus excessos, esticar-te até caberes em seus conceitos...
Alguns, mais ardilosos, fingem-se de democráticos, aplaudem as ideias alheias. Até elogiam-nas. Mas, no final das contas, só fazem o que querem e até forçam os outros a seguirem suas ideias pensando que estão seguindo suas próprias.
Mas o próprio mito no ensina como combater esses indivíduos: um dia, o Procusto mitológico, após mutilar e matar sabe-se lá quantos, cruzou o caminho do herói Teseu e se deu mal. O herói grego o venceu com seu próprio estratagema: prendeu-o lateralmente à sua própria cama. Como, preso dessa forma, partes suas ficaram para fora, Teseu cortou o que sobrara, dando fim ao monstro.
Ou seja, é preciso jogar as ideias dessas pessoas contra si mesmas, fazendo-as usar para si aquilo que elas propõem. Ao obrigá-las a agir de acordo com seus próprios padrões, de repente nem mesmo essas pessoas caibam tão bem assim naquilo em que querem obrigar os outros a caber. Uma parte delas certamente ficará para fora. E assim receberão um pouco de seu próprio remédio.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Troco de bala

Saudades do tempo em que te perguntavam se podiam dar o troco de bala...
Nunca pensei que iria sentir saudades de uma pouca vergonha desse tipo, confesso. Mas hoje nem mais a bala querem te dar de troco.
Outro dia, entrei numa dessas lojas de posto de gasolina, caríssimas, mas que estão abertas tarde da noite e às vezes quebram um galho. Peguei duas ou três coisinhas e dirigi-me ao caixa. A moça do caixa passou os itens no leitor e me disse:
_ Deu nove e cinquenta e sete... Ahnnn... Dez reais!
Desde quando, pensei eu, indignado, nove e cinquenta e sete são dez reais! Se fossem nove e noventa e sete eu até aceitaria, meio a contragosto e talvez até brigasse por uma moeda de cinco. Mas uma coisa é as lojas te embolsarem um, dois centavos porque as moedas de um centavo não existem mais. Outra coisa é a moça querer me assaltar em quarenta e três centavos! Aí é querer gozar com a minha cara!
Eu fico pensando se é só para mim que cinquenta centavos (já que não existem mais moedas pequenas) é dinheiro. Se cinquenta centavos virou nada. Se essa mesma moça do caixa diz isso para outras pessoas e elas aceitam caladas, como se fosse normal te sonegarem um troco com o qual eu poderia comprar, por exemplo, uns dois cacetinhos... Daqui a pouco ela vai estar dizendo:
_ São onze reais... quer dizer... vinte reais!
Ou, pior:
_ São onze reais.... Ahnnn... Cinquenta reais! - ditos com um sorriso ingênuo na cara.
Aonde vamos parar?
Outra coisa que me incomoda: se os mercados sabem que não existem mais moedas de um centavo, porque os preços dos produtos ainda são "sete reais com noventa e nove centavos", "doze reais e um centavo" e coisas do tipo. Se, na verdade, no caixa, na hora de pagar, esses sete e noventa e nove vão se converter em oito, e esses doze e um podem, para alguns, virar doze e cinco? Será que as pessoas ainda olham algo de sete e noventa e nove como algo de sete e pouco, ou seja, algo bem diferente de oito? Se esse um centavo não existe na hora de te dar troco, porque ele é importante no preço do produto? Será que esse um centavo hipotético é importante para o consumidor na hora de olhar o preço, mas não o é na hora de receber o troco?
E os mercados lucram com essa dualidade do consumidor, que olha para um cinco e noventa e oito como muito diferente de seis, mas, na hora do troco, pensa "são só dois centavos, não vale nada mesmo". Será que as pessoas pensam assim?
Os grandes mercados, hoje em dia, transformaram esse um centavo inexistente em doação para alguma entidade assistencial ou hospital. Se for mesmo para essas entidades, acho até justo. Mas, como não tenho tanta certeza, aceito dentro dos limites. Um centavo, dois, eu doo. Três centavos? Aí eu quero uma moeda de cinco! Três é mais próximo de cinco do que de zero. Até eu, ignorante completo em matemática, sei disso. E digo "desculpe-me, mas três centavos eu não doo".
Mesmo que esses centavos vão para as entidades... por que são os meus dois centavos que são doados para essa entidade por um mercado bonzinho e preocupado com as desigualdade sociais? Por que eles não doam os centavos deles, que com certeza lucram muito mais que eu?!
Não que eu ache errada a ideia do "dar o pouco que se tem a quem tem menos ainda". Acho corretíssimo. A questão é: sou eu que devo doar meu dinheiro. E não um mercado doar o dinheiro por mim e ainda se passar por bonzinho. "Olha como o supermercado X é legal. Doa os centavos dos outros para entidades assistenciais"... É meio estranho.
Doo meus dois centavos com maior prazer esperando que ajude alguém, mas me incomodo com o fato de grandes empresas usarem essa falta de moedas para se promoverem socialmente.
Bem, para encurtar a história, voltando à cena da moça que queria me levar quarenta e três centavos. Como eu ia pagar com cartão de débito, não falei nada, apenas alcancei a ela o cartão. Se ela digitasse dez reais ali, eu diria:
_ Desculpe-me, senhora, mas o que você digitar aí vai sair da minha conta em exatamente o mesmo valor. Não gerará troco. Então eu quero que a senhora digite o valor exato da compra.
Mas não precisou. Ela digitou diretamente o valor exato e eu paguei e saí.
Mas saí indignado.