quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O "eu" do outro lado do espelho

João queria comer Teresa, que achava Raimundo um tesão, que se esfregava em Maria, que, apesar dos amassos, dizia-se casta e falava mal de Joaquim, que alfinetava todo mundo, inclusive de Lili, que não agradou ao público, porque não criou um personagem claro logo de entrada.
J. Pinto Fernandes, totalmente insosso, dizia estar ali pelo dinheiro, e não fazia nada, além de mostrar os peitos inchados e as coxas grossas enfiadas numa sunga e ganhou uma bolada.
O povo dizia que era tudo uma bobagem, que o pessoal era escolhido entre amigos do pessoal da tevê, que só tem gente mostrando o corpo e nada de conteúdo, mas continuava assistindo, pois, no fundo, ver as coxas de Fernandes ou a bunda de Maria (a suposta santa de fio dental) era o que realmente interessava.
As pessoas bebiam, se drogam, falavam bobagem, mostravam os corpos exercitados, faziam sexo com vários, liberavam-se em diversos aspectos de amarras sociais, morais.
O povo talvez não fizesse tanto sexo, não fosse a tanta festa, não se envolvesse abertamente com tantas pessoas, mas realizava essas fantasias vendo os outros fazerem. No fundo queria estar lá. Não podendo, assistia e fantasiava.
A pornografia não totalmente escancarada, a novela pré-escrita com ares de realidade, faziam as pessoas comentar sobre vidas de televisão, como se fossem reais. Não há vida dentro da televisão. Não há realidade com câmeras ligadas e microfones. Não há  um eu na intimidade frente a um payperview.
Eu gostaria de ser bonito, de ter um abdome com gominhos, de transar com as mulheres mais bonitas, de passar o dia na piscina, na academia e em festas e sonhar que isso é minha realidade. A realidade não provém da satisfação direta e primárias das necessidades básicas. Comemos, dormimos, transamos, bebemos, nos exercitamos sim. Mas esperamos um pouco mais de nossa realidade.
Mas discutimos a vida inventada dos outros nesses moldes como se fossem vidas cabíveis e aproveitamos nossas noites desse forma.
Os leões estavam na jaula. Andares lânguidos, jubas à mostra. O espectador se sentia superior por estar lá fora, ria da fera enjaulada, mas temia e invejava esse lado fera no íntimo. Queria ser uma fera. Mesmo que seja uma fera numa jaula. Uma fera é uma fera numa savana, numa floresta, não numa jaula.