terça-feira, 24 de julho de 2012

O poder das propagandas

Ontem eu estava caminhando pela rua, matando tempo (eu havia saído do trabalho mais cedo - horário especial de recesso escolar - e tinha que aguardar pelo horário da minha psicóloga, que aliás, nem chegou a me atender naquele dia), quando me ligam para o celular de um número não identificado. Atendi.  Era uma moça com aquelas vozes decoradas; voz de máquina, não de gente, sabe como é? Custei a entender o que me incomodava naquelas vozes ou porque me pareciam tão maquinais? Pelo decorado da coisa? Um pouco... Mas não só isso. Quando falamos, tentamos convencer alguém de algo que queremos, tentamos manter sua atenção. Temos um sentimento envolvido até no mais banal "bom dia", temos uma intenção. Essas moças produzem uma fala que não é delas, é de uma empresa na qual elas não acreditam e estão sendo mal pagas para aquilo. É uma voz de "não tenho nenhum sentimento pelo que estou dizendo" a não ser talvez tédio, saco cheio... muitas vezes sequer isso.
Mas voltando ao assunto. A moça me ligou e pediu pra falar comigo. Eu disse que eu era eu e ela começou dizendo que eu fui selecionado para avaliar as novidades de um jornal X, que, apesar de estar há muitos anos no mercado, tinha um visual moderno...  Eu fiquei pensando se eu devia me sentir lisonjeado por ser selecionado a algo do qual não participei por livre e espontânea vontade... Se o fato de se sentir "selecionado" a algo (e não escolhido ao acaso) poderia convencer alguém a assinar o dito jornal. Tipo "Puxa, eu, que não ganho nada, eu que não dou sorte em nada, fui SELECIONADO para alguma coisa! Puxa que máximo!" Mesmo que seja para pagar por uma assinatura por que você poderia pagar mesmo não sendo selecionado... A mim não convenceria, mas deixei a conversa prosseguir.
Deixei claro a ela que eu não pretendia assinar nada no momento (nem nunca! mas não quis ser grosseiro...), mas ela insistiu, perguntando se eu tinha tempo  para ouvir as vantagens de assinar o tal jornal. Eu já havia entendido que o referido jornal era moderno mesmo sendo antigo (em vez de aproveitarem uma característica boa do jornal, que é sua credibilidade, por estar há muito tempo no mercado, preferiram encobri-la com esse viés "moderno", o que me soou engraçado) e também entendi que eu havia sido "selecionado", mas respondei que eu tinha tempo e ela podia falar.
Eu sei que muitos de vocês vão me dizer que já teriam cortado a moça de início, desligado na cara, etc. Mas confesso que, às vezes, gosto de ouvir esses tipos de discurso e analisá-los. Claro que precisa ter tempo de sobra pra isso, o que nem sempre tenho, mas naquele momento, caminhando pela rua para esperar até o horário de terapia, eu tinha. Talvez seja coisa de professor de português, não sei... ou desejo de autoflagelação, não sei também... mas gosto de prestar atenção na forma como a empresa organiza seu discurso de convencimento.
A moça então me deixou claro que a empresa estava buscando formadores de opinião que pudessem avaliar o conteúdo do referido jornal. Engraçado... "Formador de opinião" é um desses chavões da moda que parecem palavras mágicas. "Puxa! Eu sou um formador de opinião! Eu não sou um zé-mané que só repete o que os outros dizem. Eu ajudo a formar opiniões nas outras pessoas! Como eu sou o máximo!" Confesso que estou cansado desse discurso. Na escola temos que formar alunos "críticos", para o jornal temos que ser "formadores de opinião", para a moda temos que ter "estilo". Como se sempre tivéssemos que nos destacar da maioria. Infelizmente, sinto informar que, para cara micropartícula de novidade que produzimos, descarrilhamos uma imensidão de discursos dos outros, frases feitas, textos que não são nossos... Não que não tenhamos que ser críticos e ter nossa opinião. Claro que temos! É essencial para separarmos as coisas. Mas confesso que não entendo essa necessidade voraz de sermos todo tempo originais, críticos, formadores de opinião, etc.
Ela repetiu então sobre a modernidade do jornal, salientou alguns aspectos positivos dele, mas o grande mote do texto era me deixar com a sensação de que eu sou importante por ter sido escolhido para assinar aquele jornal. Também notei que em nenhum momento ela citou o termo "assinatura". Ela falou que os preços eram convidativos, que saía muito mais barato que comprar na banca, mas jamais falou que eu ria "assiná-lo". Apenas que eu iria "avaliá-lo" e eu não preciso comentar sobre a diferença entre os dois termos, certo?
Quando ela terminou, antes que pedisse meus dados, acreditando que eu iria assinar (às vezes, quando ouço esses discursos, eles emendam um pedido de dados sem me perguntar se quero o produto ou não... se ouvi a ladainha até o final, devo querer o produto, devem pensar), eu disse novamente que não tinha interesse em assiná-lo e desliguei.
Fico pensando se além de autoflagelação, não é um pouco de sadismo com a moça em fazê-la perder tanto tempo com alguém que não vai comprar o produto. Poderia deixá-la ligar para outras pessoas, nesse tempo. Vai que ela tem uma quota diária a cumprir, sei lá... Mas defendo-me dizendo que deixei claro desde o início que não tinha interesse em assinar nada.
Fico pensando no perfil de quem assina coisas que não quer ou compra coisas de que não precisa só porque ligaram para seu telefone vendendo. Como esse tipo de marketing é tão comum, deve funcionar, eu suponho. Eu posso até comprar algo de que não preciso, que vi numa loja e achei legal, mas não porque me ligaram vendendo. Será que é esse mesmo impulso? Será que na hora a pessoa acredita nas vantagens e acha que precisa daquilo, como acontece com aquelas propagandas da tevê que te vendem um produto capaz de cortar salame, ralar queijo, picar legumes, tudo num produto só, mas "esquecem" de avisar que você não vai querer usar por ser um saco depois lavar cada uma daquelas pecinhas. Não sei. Nunca comprei nenhum desses produtos da tevê (antes que me perguntem como eu sei da história de lavar as pecinhas), mas essa ideia de que você é importante ou de que sua vida vai ser bem mais prática e feliz se você comprar o referido produto é a que deve, no fundo, prevalecer.
Li numa revista uma vez que as propagandas hoje em dia não vendem produtos, mas sonhos. Você não compra um desodorante para não ter cheiro nas axilas, mas para transformar-se num "dom juan", para ter meia dúzia de mulheres morando com você, apaixonadas, brigando por você, vestindo suas roupas (como se isso não fosse um pesadelo, em vez de um sonho!).  Você não compra uma margarina porque quer algo para passar no pão, mas para ter uma família feliz. Você não compra um cigarro para ter um prazer fugaz, mas para ter "bom senso"... e assim por diante. Acho que é por aí. E todos nós fazemos isso. Compramos coisas de que não precisamos por uma ilusão de felicidade. Muitos porque "foram escolhidos" por telefone, outros porque foram seduzidos pela tevê, outros porque acharam legal na loja, não importa. Mas, por mais "críticos" que sejamos, por mais "formadores de opinião", sempre vamos ser seduzidos por nosso inconsciente a sermos mais felizes ou mais poderosos, ou mais bonitos, ou mais viris, ou mais inteligentes do que realmente somos. E continuamos embarcando nesses sonhos, mesmo que, em alguns momentos tenhamos consciência de que isso acontece.