sábado, 22 de dezembro de 2012

O Fim do Mundo e o Natal

Falou-se muito nos últimos tempos no fim do mundo profetizado pelos maias... Falou-se muito. Alguns levaram a sério. Muitos brincaram com isso. Surgiram piadas na internet. Alguns espiritualizados falaram que não seria um fim do mundo, mas o fim de um ciclo, o início de uma nova Era...
E o fim do mundo passou e não há nada de diferente até agora...
Muitos lembraram do ano de 1999, da virada do milênio... que os computadores iriam parar, o tal "bug do milênio" e que isso não ocorreu...
Mas o fato é que o fim do mundo é um tema recorrente no imaginário popular... Muitos fins do mundo devem ter sido profetizados desde que o ser humano adquiriu consciência de que estava vivo e, dessa forma, também consciência de sua finitude.
Espera-se o fim de um mundo... um despertar de uma nova Era... uma força que venha de fora de nós, um poder superior e que mude tudo... Mas talvez esse poder não exista. Talvez o mundo mude sim, com a mudança das pessoas, da vida, da natureza... a passos vagarosos e não em um passe de mágica.
E os apocalipses vêm sendo vaticinados e não acontecendo.
Há inclusive uma música de Assis Valente de 1938 chamada "E o mundo não se acabou" que existe por aí na voz de Marlene, Carmen Miranda, Adriana Calcanhoto, Ademilde Fonseca, Paula Toller, Maria Bethânia... cuja letra é a seguinte:

Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar...
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada...
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando
De aproveitar...
Beijei a bôca
De quem não devia
Peguei na mão
De quem não conhecia
Dancei um samba
Em traje de maiô
E o tal do mundo
Não se acabou...
Chamei um gajo
Com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele
Mais de quinhentão...
Agora eu soube
Que o gajo anda
Dizendo coisa
Que não se passou
E, vai ter barulho
E vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou...

Na música a pessoa resolve fazer tudo o que queria acreditando no final do mundo... como este não acontece, ela vai ter que sofrer com as consequências desses atos. O fim de tudo era desculpa para fazer o que quisesse. Não haveria dia seguinte para se arrepender. O apocalipse, nesse caso, era também o fim das amarras impostas pelo bom senso, pelo que deve ou não ser feito... Ou seja, já brinca-se com a ideia de fim de mundo anunciado e não acontecido desde 1938 (com certeza bem antes disso também). Não é privilégio de nossos tempos.

Procurando na "Wikipedia" sobre o compositor dessa música, Assis Valente, soube que é dele também a composição da música de Natal preferida de minha infância. Aquele que dizia que:
Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade pra você me dar
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem.
Era minha preferida por ser triste e eu era melancólico nessa época, tanto que o personagem com quem eu mais me identificava era o sempre depressivo e melancólico "Charlie Brown" . Felicidade não é para todo mundo. Há quem é feliz e quem  é triste. Não há como receber a felicidade.
Eu não me dava conta na época, mas acho que é bom mesmo que a felicidade são seja ganha como um presente de Natal... Ela não vem de fora, não é dada por ninguém. É própria da gente mesmo.

Assim como se espera um apocalipse ou uma profecia Maia para a criação de uma nova Era, para o surgimento de um mundo melhor, espera-se do Natal e do final de Ano um momento de obter perdão, de distribuir amor, de esperar por um ano novo melhor. Acho legal usar o final de ano (ou qualquer outra época) como um momento de reflexão, de pensar no que fizemos e no que deixamos de fazer... De pensar em novas possibilidades. Mas temos que ter certeza de que isso não vai vir de fora da gente, de uma força maior. Essa força vem da gente mesmo. Somos responsáveis por sermos mais felizes, por buscarmos uma vida melhor, por tentarmos ser mais tolerantes (até com a gente mesmo), de lutarmos pelo que queremos.
O apocalipse, se  um dia vier, talvez não seja profetizado...
A felicidade, se nos encontrar um dia, talvez não seja trazida num pacote pelo Bom Velhinho.
E isso não é motivo para tristeza, como dá a entender a música do Assis Valente. É motivo de orgulho. De sabermos que ela foi conquistada. E que a nossa vida se faz de pedacinho a pedacinho.

E, pra quem esperou tantos anos que o Brasil fosse um país do melhor e isso não aconteceu... Para quem viu o país do futuro tornar-se presente, talvez até pretérito, e não ocorrer muita coisa... talvez acreditar no início de uma nova Era seja também  por um milagre que não ocorra, por um presente que não existe.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Síndrome da coca-cola velha


 Hoje cheguei no trabalho e cumprimentei todo mundo efusivamente:
_ E aí, pessoal, tudo bem? Cheios de gás para trabalhar depois de um fim de semana de descanso?
Todos me olharam como se estivessem vendo um e.t., ou como se eu tivesse dito algum tipo de blasfêmia e me disseram:
_ NÃO!
Ouvindo a resposta, eu brinquei:
_ Nossa, vocês parecem uma coca-cola velha: totalmente sem gás!
Malgrado o pieguismo ou o tanto de sarcasmo com que minha frase ingênua pode ter sido interpretada (não, eu não me dei conta de como soava...), o fato é que, nesta época do ano ninguém mais tem energia para nada. Vivemos a síndrome do final do ano. Daqui a pouco é Natal... em pouco tempo será um ano novo e o velho já deu todos os sinais possíveis de desgaste. Tiramos forças do útero, arrancamos energias de algum lugar que nem sabemos existir e vamos em frente... mas devagar, tentando não fazer esforços excessivos. Nessa fase do ano, nosso fusquinha metafórico não pode estar sobrecarregado e corre o risco de não subir a ladeira. Melhor tirar dele toda carga inútil (se conseguirmos!!!) e ir em frente devagarinho.
E o engraçado é que, vendo a falta de gás das coca-colas alheias, meu próprio refrigerante interno perdeu o gás rapidinho e minha vontade de começar a semana cheio de pique minguou rapidamente: eu próprio estava também no mesmo cansaço.
Nessas horas de estresse, eu tento me segurar em alguma de minhas tábuas de salvação. Sempre que as coisas parecem afundar, ou que você sente que não tem pique de seguir em frente, é melhor se segurar em algo. Caprichar mais na dieta... Fazer mais exercícios... Não dispensar a saída com os amigos na sexta-feira à tardinha... Focar-se nos preparativos da viagem de férias... Alguma coisa tem que nos motivar a seguir adiante. Se a gente pensar: “Vou largar tudo de mão, é final de ano, ano que vem eu recomeço”... as coisas ficam mais difíceis.
Alguém pode dizer: “Mas você não disse que era para tirar toda a carga do fusquinha para que ele suba a ladeira?” Verdade. Mas não podemos nos esquecer que o motor do carro também pode ser pesado, mas é o que o impulsiona para frente. Tiram-se as cargas desnecessárias (das necessárias a gente tem que dar conta), mas o motor decididamente fica.
E vem o ano seguinte. A gente renova as energias, finge que está começando algo novo e toca-se a subir a ladeira com outro ânimo.
Tem gente que diz que as famosas resoluções de final de ano não servem para nada... Eu não concordo. Mesmo que a gente não as realize por completo, é uma forma que a gente tem de renovar esperanças, pensar nos nossos objetivos, criar novas expectativas e encher de gás novamente nossa velha coca-cola choca e tentar bebê-la como se fosse nova.
E, vamos combinar, um pouco de gás, tanto na vida, quanto na coca-cola, faz toda a diferença!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ego

Minha namorada me presenteou com uma revistinha de um personagem chamado Gaturro do artista argentino Nik. Numa das tiras, Agatha, namorada/esposa do personagem principal, fala para ele que o local onde eles estão é só deles. Noutro quadrinho ela aparece dizendo para um gatinho bebê para ele não emprestar a ninguém sua mamadeira. No terceiro quadrinho, ela aconselha outro gato a guardar suas ideias só para si. No quarto quadrinho, fala para uma gatinha para não dividir com ninguém sua maquiagem. No último aparecem todos os personagens juntos e Agatha mais longe e Gaturro fala: "Como a Agatha é generosa! Compartilha seu egoísmo com todo mundo!
Nunca havia pensado nisso: o egoísmo não é guardado pela pessoa só para ela. Uma pessoa egoísta precisa compartilhar seu egoísmo com os outros. Ela é egoísta com tudo, no entanto é generosa apenas no ato de dividir com os outros seu egoísmo.
Não basta ser egoísta, é preciso fazer dos outros pessoas egoístas. Provar para os outros que sua forma de pensar e agir é a única correta é também um ato de egoísmo. Agatha manda um dos gatos guardar suas ideias só para si, mas não consegue ela própria, fazer isso.  É preciso exteriorizar. É preciso ser ouvido muito mais que ouvir. Eu quero que ouçam minhas ideias, mas os outros, que guardem as suas para si mesmos, elas não me interessam.
Ser egoísta é centrar-se em si mesmo, estar voltado para o seu próprio "ego". E usar os outros como espelho para ver-se a si próprio. Eu dou conselhos, sou generoso, compartilho meu conhecimento, mas não admito que façam o mesmo comigo...
Lembro-me uma vez de ter entrado num site em que as pessoas publicavam suas poesias. Comecei a ler as poesias de outra pessoa. Gostei do texto, mas achei que havia algum problema de estrutura. Comentei dizendo isso. Que o poema dela era bom, mas que poderia fazer alguns ajustes aqui e ali.  E qual não foi minha surpresa quando recebo resposta, não só da autora, mas de vários outros membros do fórum dizendo que se eu não havia gostado do texto que me calasse, que eu só entrasse ali se fosse para elogiar, que escrever poemas não tem certo ou errado, que eu devia admirar o poema e não criticá-lo...
Primeiro que  eu gostei do poema. Os textos da referida moça era bons. Eu fiz apenas um comentário tentando ajudá-la. Talvez tenha sido egoísmo meu em achar-me no direito de expressar minhas críticas, mas eu tenho certeza de que não me ofenderia se me criticassem. Claro que críticas grosseiras, no sentido de te pôr para baixo, ofendem, magoam. Ninguém gosta de ter seu ego destruído, talvez... Mas se fosse algo que me servisse para melhorar, por que não? Se todo mundo me elogia, posso ficar feliz, mas não crescerei com isso. Se as pessoas postavam num site seus poemas e a regra era todo mundo entrar ali para elogiar, então era porque os elogios não eram sinceros. As pessoas ali não publicavam para serem lidas, publicavam para ter seus egos massageados.
Talvez todo escritor seja um egoísta, que quer compartilhas seus sentimentos mais profundos, que, por serem profundos, só interessam a ele mesmo... Mas é necessário também estar preparado para a crítica eventual.
Há pessoas que escrevem só para serem elogiadas (talvez todo mundo escreva para ser elogiado, é verdade, mas no mínimo é necessário perceber-se falível)... Há pessoas que te contam suas vidas para que você apenas as ouça; se você falar sobre si, elas te cortam... se você disser o que pensa sobre elas, se ofendem. Há pessoas que te dão mil conselhos, mas não querem ser aconselhadas.
Por mais que queiramos ser elogiados, agradecidos, ouvidos, há que se abrir espaço para a troca.


domingo, 16 de setembro de 2012

Qual é a sua Emília? (Parte 2)

De 1983 a 1986, a Emília foi vivida por Suzana Abranches. Eu assisti o Sítio com a Suzana de Emília, mas nem lembrava mais... Lembro que não fui muito fã dela, talvez por ter substituído a "minha" Emília, mas hoje, assistindo a vídeos do youtube, acho que ela fazia bem o papel.


Depois do seu final em 1986, o Sítio só voltou ao ar em 2001, com Isabelle Drummondinterpretando Emília. Foi a primeira Emília da tevê que foi interpretada por uma criança.


Eu assisti a alguns episódios. Pra mim, o Sítio ficou meio descaracterizado em relação ao do meu tempo, mas a Emília em si funcionou bem. A Isabelle fazia bem a personagem.


Em 2007, o Sítio voltou ao ar interpretado pela atriz Tatyane Goulart. A atriz começou carreira quando pequena...


Mas cresceu, ficou adulta:
Interpretou a Emília de cabelos coloridos, mas curtinhos e vestido justinho na cintura, quase um espartilho...



Nem sabia que esta versão havia existido. Não acompanhei.



Por fim, a Emília virou desenho animado, dublada por Larissa Manoela, a Maria Joaquina do novo Carrossel.

Menção honrosa:

Em 1982, época em que a Globo apostava em musicais infantis, Baby Consuelo viveu a Emília em um clipe.

sábado, 15 de setembro de 2012

Parte 1 -
A personagem Emília é uma das mais queridas criações de Monteiro Lobato e marcou (e ainda marca) a infância de muita gente. Na tevê, foi vivida desde os anos 50 por diversas atrizes.
Vamos fazer um teste de idade aqui. Qual a Emília que marcou sua infância?
(A minha foi Reny de Oliveira.)

A primeira, no tempo em que a tevê era em preto-e-branco e ao vivo, pois não tinham nem inventado o videotape, a Emília foi Lúcia Lambertini. O Sítio dessa época durou 13 anos no ar. A atriz morreu nos anos 70 aos cinquenta anos de idade.




Já tinha as trancinhas viradas para fora usadas pela Reny de Oliveira posteriormente (e abandonadas por Dirce Migliaccio anos antes), mas tinha o cabelo preto e aparentemente sem a tradicional boquinha pintada apenas no centro. Essa eu nem sabia que existia, descobri por acaso hoje.
Alguém aqui é velho a ponto de lembrar desta Emília??? :duvida:

Lúcia foi substituída posteriormente pela atriz Dulce Margarida.


Em 1968, o Sítio passou a ser exibido pela Bandeirantes e uma nova Emília passou a existir, interpretada pela atriz Zodja Pereira.


Nesse caso, a Emília já se parece bem mais com a Emília que conhecemos do que as duas anteriores.

Em 1974, o Sítio do Pica-pau Amarelo virou filme, interpretado pela atriz Leda Zepelin. Eu achei uma Emília de visual meio chocho. Não sei como foi recebida na época. Alguém assistiu?

A quarta Emília foi Dirce Migliaccio, e viveu a Emília entre 1977 e 1978. Essa eu sabia que existiu, mas não cheguei a assistir, pois era muito pequeno e não tinha tevê.



A Emília de Dirce tinha o cabelo colorido da Emília de que me lembro, a boquinha pintada, mas as tranças retas.
A atriz viveu também uma das irmãs Cajazeiras no Bem-Amado original. Morrei em 2009 aos 76 anos.



A quarta Emília foi a Emília que ficou na minha memória. Reny de Oliveira fez várias novelas até ser chamada para fazer a Emília em 1978, substituindo Dirce Migliaccio que havia cansado de fazer a personagem. Reny ficou como Emília de 1978 a 1982. Era uma atriz muito bonita e chegou a posar nua na Playboy. (Alguém tem uma ainda?) Hoje a atriz é casada, mora nos Estados Unidos e não quer saber de tevê.


Mais tarde eu posto sobre Suzana Abranches, Isabelle Drummond e Tatyane Goulart.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Possibilidades

Sabe quando vocês pegam um pedaço de conversa de alguém quando passa na rua? Ou observam a fisionomia de uma pessoa passando por vocês? Não sei vocês, mas eu, muitas vezes, começo a criar uma história para aquela pessoa, imaginar o contexto em que aquela frase ou expressão se encaixa. Duas pessoas passam e vocês ouvem uma delas dizer um “Que sacanagem você fez com ela! Coitada!” Vocês ficam tentando imaginar quem é a pessoa que foi sacaneada? O “sacaneador”, por que fez tal ato? O que uma pessoa com aquela cara, aquele tipo físico, poderia ter feito? E o outro, o que acusa o amigo de sacana, que parte tem a ver com a história? Não sei vocês, mas eu às vezes me pego pensando nisso tudo.

Por exemplo: Há um tempo atrás estávamos minha namorada e eu na Redenção sentados num banco num sábado, pegando um pouco de sol. Trabalha-se o dia inteiro em um lugar fechado, no fim de semana, é preciso um pouco de sol, um pouco de verde. Estávamos lá quando observamos uma moça que se passeava impaciente de um lado para outro, como que esperando alguém. Estava bem arrumada para uma caminhada no parque. Supusemos nós dois que se tratava de um primeiro encontro. Certos momentos depois, aproximou-se um homem de roupa bem frugal: camiseta, tênis, jeans, destoando um tanto da produção dela. Cumprimentaram-se meio formalmente e seguiram caminhando pelo parque, um a uma certa distância do outro. Pela impaciência da moça na espera, pela formalidade de cumprimentos... o mais provável era um encontro de Internet. Os dois devem ter trocado e-mails, mensagens de MSN, provavelmente telefonemas (ou qualquer outros meios de hoje em dia – estou fora de área de cobertura em se tratando de namoros de Internet) por semanas até marcarem o fatídico primeiro encontro... num local público, cheio de gente, claro! Vai que um dos dois é um tarado.

Quem já tentou alguma vez um namoro pela Internet sabe que você encontra alguém com uma boa conversa, um papo que flui pelo telefone durante semanas e, quando o encontro acontece ao vivo, o encanto pode morrer em cinco minutos. Talvez tenha sido isso o que aconteceu com esses dois personagens de minha história, visto que, em seguida disso, minha namorada e eu resolvemos voltar pra casa e eis que a moça passa por nós a passos rápidos, firmes, com jeito de furiosa. Um táxi passa, ela acena, tenta pegá-lo, mas ele não para. Ela continua a passos duros. O que terá acontecido? Teria o cara tentando avançar o sinal logo de cara e ela não gostou disso? Teria ele entregado assim de pronto que é casado? Teria mau hálito? O que poderia ter o homem feito para que ela saísse da Redenção tão rápido e naquele estado? Nunca irei saber, mas já criei várias hipóteses.

Essa história me veio à cabeça porque ontem eu estava voltando do trabalho, entrei numa lotação e, ao me sentar, vi que embaixo do assento havia uma caixa de remédio. A curiosidade matou um gato e um não gato como eu triplamente: abaixei-me e fui ver o que era. Li o rótulo: NEOVLAR. Não fazia ideia de que remédio era, mas notei que estava aberto, mas, pelo peso, ainda deveria conter um blíster com vários comprimidos dentro. Larguei a caixa e deixei pra lá. Ao chegar em casa, a curiosidade (essa que leva para o outro Mundo até aqueles que têm sete vidas e caem em pé, imagina os seres menos afortunados!) me fez entrar na Internet e pesquisar: sim, imagino que você já saiba, NEOVLAR é uma marca de anticoncepcional. O que me fez pensar: o que faria uma mulher (sim, tudo faz crer que tenha sido uma mulher) comprar uma caixa de anticoncepcional em uma farmácia, entrar em uma lotação, abri-la, (supostamente) tomar um comprimido e deixá-la ali jogada no chão da lotação? Teria feito ela algum ato cujas consequências poderiam lhe ser desastrosas num futuro próximo e resolveu tomar uma pílula na vã esperança de que resolvesse alguma coisa? Nesse caso, não seria melhor uma pílula do dia seguinte ou algo assim? Ou então, no mínimo, seguir regularmente o resto da cartela? Teria ela esquecido de tomar o dito comprimido naquele dia e comprou-o para não interromper o efeito e, na pressa, deixou-o cair no chão sem perceber? Teria ela, então, comprado um anticoncepcional que nunca antes tomara, por indicação de alguma amiga e, ao ler a bula, assustara-se com os efeitos colaterais e resolvera jogá-lo ali mesmo fora e aderir a outros métodos contraceptivos? Como diriam alguns textos chiques: “há uma miríade de possibilidades”. A mim, cabe apenas deixar minha imaginação navegar sobre elas...

terça-feira, 24 de julho de 2012

O poder das propagandas

Ontem eu estava caminhando pela rua, matando tempo (eu havia saído do trabalho mais cedo - horário especial de recesso escolar - e tinha que aguardar pelo horário da minha psicóloga, que aliás, nem chegou a me atender naquele dia), quando me ligam para o celular de um número não identificado. Atendi.  Era uma moça com aquelas vozes decoradas; voz de máquina, não de gente, sabe como é? Custei a entender o que me incomodava naquelas vozes ou porque me pareciam tão maquinais? Pelo decorado da coisa? Um pouco... Mas não só isso. Quando falamos, tentamos convencer alguém de algo que queremos, tentamos manter sua atenção. Temos um sentimento envolvido até no mais banal "bom dia", temos uma intenção. Essas moças produzem uma fala que não é delas, é de uma empresa na qual elas não acreditam e estão sendo mal pagas para aquilo. É uma voz de "não tenho nenhum sentimento pelo que estou dizendo" a não ser talvez tédio, saco cheio... muitas vezes sequer isso.
Mas voltando ao assunto. A moça me ligou e pediu pra falar comigo. Eu disse que eu era eu e ela começou dizendo que eu fui selecionado para avaliar as novidades de um jornal X, que, apesar de estar há muitos anos no mercado, tinha um visual moderno...  Eu fiquei pensando se eu devia me sentir lisonjeado por ser selecionado a algo do qual não participei por livre e espontânea vontade... Se o fato de se sentir "selecionado" a algo (e não escolhido ao acaso) poderia convencer alguém a assinar o dito jornal. Tipo "Puxa, eu, que não ganho nada, eu que não dou sorte em nada, fui SELECIONADO para alguma coisa! Puxa que máximo!" Mesmo que seja para pagar por uma assinatura por que você poderia pagar mesmo não sendo selecionado... A mim não convenceria, mas deixei a conversa prosseguir.
Deixei claro a ela que eu não pretendia assinar nada no momento (nem nunca! mas não quis ser grosseiro...), mas ela insistiu, perguntando se eu tinha tempo  para ouvir as vantagens de assinar o tal jornal. Eu já havia entendido que o referido jornal era moderno mesmo sendo antigo (em vez de aproveitarem uma característica boa do jornal, que é sua credibilidade, por estar há muito tempo no mercado, preferiram encobri-la com esse viés "moderno", o que me soou engraçado) e também entendi que eu havia sido "selecionado", mas respondei que eu tinha tempo e ela podia falar.
Eu sei que muitos de vocês vão me dizer que já teriam cortado a moça de início, desligado na cara, etc. Mas confesso que, às vezes, gosto de ouvir esses tipos de discurso e analisá-los. Claro que precisa ter tempo de sobra pra isso, o que nem sempre tenho, mas naquele momento, caminhando pela rua para esperar até o horário de terapia, eu tinha. Talvez seja coisa de professor de português, não sei... ou desejo de autoflagelação, não sei também... mas gosto de prestar atenção na forma como a empresa organiza seu discurso de convencimento.
A moça então me deixou claro que a empresa estava buscando formadores de opinião que pudessem avaliar o conteúdo do referido jornal. Engraçado... "Formador de opinião" é um desses chavões da moda que parecem palavras mágicas. "Puxa! Eu sou um formador de opinião! Eu não sou um zé-mané que só repete o que os outros dizem. Eu ajudo a formar opiniões nas outras pessoas! Como eu sou o máximo!" Confesso que estou cansado desse discurso. Na escola temos que formar alunos "críticos", para o jornal temos que ser "formadores de opinião", para a moda temos que ter "estilo". Como se sempre tivéssemos que nos destacar da maioria. Infelizmente, sinto informar que, para cara micropartícula de novidade que produzimos, descarrilhamos uma imensidão de discursos dos outros, frases feitas, textos que não são nossos... Não que não tenhamos que ser críticos e ter nossa opinião. Claro que temos! É essencial para separarmos as coisas. Mas confesso que não entendo essa necessidade voraz de sermos todo tempo originais, críticos, formadores de opinião, etc.
Ela repetiu então sobre a modernidade do jornal, salientou alguns aspectos positivos dele, mas o grande mote do texto era me deixar com a sensação de que eu sou importante por ter sido escolhido para assinar aquele jornal. Também notei que em nenhum momento ela citou o termo "assinatura". Ela falou que os preços eram convidativos, que saía muito mais barato que comprar na banca, mas jamais falou que eu ria "assiná-lo". Apenas que eu iria "avaliá-lo" e eu não preciso comentar sobre a diferença entre os dois termos, certo?
Quando ela terminou, antes que pedisse meus dados, acreditando que eu iria assinar (às vezes, quando ouço esses discursos, eles emendam um pedido de dados sem me perguntar se quero o produto ou não... se ouvi a ladainha até o final, devo querer o produto, devem pensar), eu disse novamente que não tinha interesse em assiná-lo e desliguei.
Fico pensando se além de autoflagelação, não é um pouco de sadismo com a moça em fazê-la perder tanto tempo com alguém que não vai comprar o produto. Poderia deixá-la ligar para outras pessoas, nesse tempo. Vai que ela tem uma quota diária a cumprir, sei lá... Mas defendo-me dizendo que deixei claro desde o início que não tinha interesse em assinar nada.
Fico pensando no perfil de quem assina coisas que não quer ou compra coisas de que não precisa só porque ligaram para seu telefone vendendo. Como esse tipo de marketing é tão comum, deve funcionar, eu suponho. Eu posso até comprar algo de que não preciso, que vi numa loja e achei legal, mas não porque me ligaram vendendo. Será que é esse mesmo impulso? Será que na hora a pessoa acredita nas vantagens e acha que precisa daquilo, como acontece com aquelas propagandas da tevê que te vendem um produto capaz de cortar salame, ralar queijo, picar legumes, tudo num produto só, mas "esquecem" de avisar que você não vai querer usar por ser um saco depois lavar cada uma daquelas pecinhas. Não sei. Nunca comprei nenhum desses produtos da tevê (antes que me perguntem como eu sei da história de lavar as pecinhas), mas essa ideia de que você é importante ou de que sua vida vai ser bem mais prática e feliz se você comprar o referido produto é a que deve, no fundo, prevalecer.
Li numa revista uma vez que as propagandas hoje em dia não vendem produtos, mas sonhos. Você não compra um desodorante para não ter cheiro nas axilas, mas para transformar-se num "dom juan", para ter meia dúzia de mulheres morando com você, apaixonadas, brigando por você, vestindo suas roupas (como se isso não fosse um pesadelo, em vez de um sonho!).  Você não compra uma margarina porque quer algo para passar no pão, mas para ter uma família feliz. Você não compra um cigarro para ter um prazer fugaz, mas para ter "bom senso"... e assim por diante. Acho que é por aí. E todos nós fazemos isso. Compramos coisas de que não precisamos por uma ilusão de felicidade. Muitos porque "foram escolhidos" por telefone, outros porque foram seduzidos pela tevê, outros porque acharam legal na loja, não importa. Mas, por mais "críticos" que sejamos, por mais "formadores de opinião", sempre vamos ser seduzidos por nosso inconsciente a sermos mais felizes ou mais poderosos, ou mais bonitos, ou mais viris, ou mais inteligentes do que realmente somos. E continuamos embarcando nesses sonhos, mesmo que, em alguns momentos tenhamos consciência de que isso acontece.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Síndrome de Procusto

Procusto pertence à Mitologia grega e era um ladrão. Seu truque era receber as pessoas em sua casa e convidá-las para dormir em sua cama. A cama de Procusto tinha exatamente o seu tamanho. Das pessoas que fossem maiores que a cama, o ladrão cortava as partes excedentes. De quem fosse menor, o fascínora as esticava até que ficassem do tamanho adequado.
Esse mito serve para nos fazer pensar que muitas pessoas agem em suas vidas como procustos. E não estou falando em mutilações físicas. Há muitos procustos no campo das ideias. Pessoas que querem que as ideias dos outros, que a vida dos outros caibam em seu padrão rígido.
"Fulana trabalha e não tem tempo para os filhos. Que absurdo!" Cicrana não trabalha e só cuida dos filhos: que desocupada. Não ajuda o marido, coitado!" e assim por diante. As pessoas tem que caber em seus rígidos padrões de moral ou estão erradas. E julgam a todos. Condenam, inclusive. Elas são perfeitas, suas vidas maravilhosas... os outros estão sempre errados se não seguirem seus desígnios.
Pensa-se comumente que todo procusto é uma pessoa antiquada, séria, carola... Ledo engano! Muitos são pessoas pensadoras, inteligentes. Mas podam os outros naquilo que pensam... "Eu te deixo pensar, desde que, no final das contas, penses igual a mim." seria o lema delas. Pessoas autoritárias, que não aceitam opiniões alheias, ou até fingem que aceitam, encaixam-se muito bem aqui. "Minhas ideias são melhores que as tuas. Minha forma de ver o mundo é a única certa." E querem te fazer pensar como elas. Quem te podar, cortar teus excessos, esticar-te até caberes em seus conceitos...
Alguns, mais ardilosos, fingem-se de democráticos, aplaudem as ideias alheias. Até elogiam-nas. Mas, no final das contas, só fazem o que querem e até forçam os outros a seguirem suas ideias pensando que estão seguindo suas próprias.
Mas o próprio mito no ensina como combater esses indivíduos: um dia, o Procusto mitológico, após mutilar e matar sabe-se lá quantos, cruzou o caminho do herói Teseu e se deu mal. O herói grego o venceu com seu próprio estratagema: prendeu-o lateralmente à sua própria cama. Como, preso dessa forma, partes suas ficaram para fora, Teseu cortou o que sobrara, dando fim ao monstro.
Ou seja, é preciso jogar as ideias dessas pessoas contra si mesmas, fazendo-as usar para si aquilo que elas propõem. Ao obrigá-las a agir de acordo com seus próprios padrões, de repente nem mesmo essas pessoas caibam tão bem assim naquilo em que querem obrigar os outros a caber. Uma parte delas certamente ficará para fora. E assim receberão um pouco de seu próprio remédio.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Troco de bala

Saudades do tempo em que te perguntavam se podiam dar o troco de bala...
Nunca pensei que iria sentir saudades de uma pouca vergonha desse tipo, confesso. Mas hoje nem mais a bala querem te dar de troco.
Outro dia, entrei numa dessas lojas de posto de gasolina, caríssimas, mas que estão abertas tarde da noite e às vezes quebram um galho. Peguei duas ou três coisinhas e dirigi-me ao caixa. A moça do caixa passou os itens no leitor e me disse:
_ Deu nove e cinquenta e sete... Ahnnn... Dez reais!
Desde quando, pensei eu, indignado, nove e cinquenta e sete são dez reais! Se fossem nove e noventa e sete eu até aceitaria, meio a contragosto e talvez até brigasse por uma moeda de cinco. Mas uma coisa é as lojas te embolsarem um, dois centavos porque as moedas de um centavo não existem mais. Outra coisa é a moça querer me assaltar em quarenta e três centavos! Aí é querer gozar com a minha cara!
Eu fico pensando se é só para mim que cinquenta centavos (já que não existem mais moedas pequenas) é dinheiro. Se cinquenta centavos virou nada. Se essa mesma moça do caixa diz isso para outras pessoas e elas aceitam caladas, como se fosse normal te sonegarem um troco com o qual eu poderia comprar, por exemplo, uns dois cacetinhos... Daqui a pouco ela vai estar dizendo:
_ São onze reais... quer dizer... vinte reais!
Ou, pior:
_ São onze reais.... Ahnnn... Cinquenta reais! - ditos com um sorriso ingênuo na cara.
Aonde vamos parar?
Outra coisa que me incomoda: se os mercados sabem que não existem mais moedas de um centavo, porque os preços dos produtos ainda são "sete reais com noventa e nove centavos", "doze reais e um centavo" e coisas do tipo. Se, na verdade, no caixa, na hora de pagar, esses sete e noventa e nove vão se converter em oito, e esses doze e um podem, para alguns, virar doze e cinco? Será que as pessoas ainda olham algo de sete e noventa e nove como algo de sete e pouco, ou seja, algo bem diferente de oito? Se esse um centavo não existe na hora de te dar troco, porque ele é importante no preço do produto? Será que esse um centavo hipotético é importante para o consumidor na hora de olhar o preço, mas não o é na hora de receber o troco?
E os mercados lucram com essa dualidade do consumidor, que olha para um cinco e noventa e oito como muito diferente de seis, mas, na hora do troco, pensa "são só dois centavos, não vale nada mesmo". Será que as pessoas pensam assim?
Os grandes mercados, hoje em dia, transformaram esse um centavo inexistente em doação para alguma entidade assistencial ou hospital. Se for mesmo para essas entidades, acho até justo. Mas, como não tenho tanta certeza, aceito dentro dos limites. Um centavo, dois, eu doo. Três centavos? Aí eu quero uma moeda de cinco! Três é mais próximo de cinco do que de zero. Até eu, ignorante completo em matemática, sei disso. E digo "desculpe-me, mas três centavos eu não doo".
Mesmo que esses centavos vão para as entidades... por que são os meus dois centavos que são doados para essa entidade por um mercado bonzinho e preocupado com as desigualdade sociais? Por que eles não doam os centavos deles, que com certeza lucram muito mais que eu?!
Não que eu ache errada a ideia do "dar o pouco que se tem a quem tem menos ainda". Acho corretíssimo. A questão é: sou eu que devo doar meu dinheiro. E não um mercado doar o dinheiro por mim e ainda se passar por bonzinho. "Olha como o supermercado X é legal. Doa os centavos dos outros para entidades assistenciais"... É meio estranho.
Doo meus dois centavos com maior prazer esperando que ajude alguém, mas me incomodo com o fato de grandes empresas usarem essa falta de moedas para se promoverem socialmente.
Bem, para encurtar a história, voltando à cena da moça que queria me levar quarenta e três centavos. Como eu ia pagar com cartão de débito, não falei nada, apenas alcancei a ela o cartão. Se ela digitasse dez reais ali, eu diria:
_ Desculpe-me, senhora, mas o que você digitar aí vai sair da minha conta em exatamente o mesmo valor. Não gerará troco. Então eu quero que a senhora digite o valor exato da compra.
Mas não precisou. Ela digitou diretamente o valor exato e eu paguei e saí.
Mas saí indignado.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Onze anos cabem em uma caixinha



Onze anos.
Uma vida, diriam alguns.
Onze anos.

Com certeza bastante tempo.

Onze anos trabalhando no mesmo lugar. Onze anos tentando em vão fazer um trabalho decente. Onze anos frustrando-me. Onze anos e tenho a sensação de não ter construído nada. Onze anos e uma sensação de vazio.

Nesses anos todos, vários adolescentes passaram por mim. Tentei ensinar para eles algum coisa. Com certeza aprendi com eles bastante. Não tenho como mensurar o quanto ensinei.

Tentei ao menos.

Da escola onde saio, sobrou apenas uma caixa com livros, que tenho que retirar. Alguns livros velhos, outros mais novos, alguns com a capa soltando de tanto uso. Poucos com algum valor. De onze anos de minha vida profissional, sobraram uns poucos livros que cabem tranquilamente em uma caixa.

Se não valem muito, por que recolher esses livros?, alguém pode se perguntar. Simples, respondo. Para esvaziar meu armário e dar lugar a um novo profissional cuja bagagem em alguns anos também se resumirá a um punhado de livros dentro de um armário.

Com certeza irá para meu lugar alguém. Essa pessoa fará um trabalho muito melhor que o meu. Ou tão bom quanto. Ou um pouco pior... não importa. O que importa é que fará meu trabalho.

Queremo-nos imortais e não somos imprescindíveis... sequer necessários.

Você sai, outro ocupa seu lugar e em muito pouco tempo ninguém mais lembra da sua existência. Onze anos e você passou em branco. Outro ocupa seu lugar e, quando se vê, é como se ele tivesse estado sempre ali. Rouba sua identidade, sua vida, o ladrão. Torna-se você. Ou melhor, torna-se o que você era naquela posição, enquanto ocupava aquele espaço.

Onze anos. É bastante tempo. Mas espero que não seja uma vida e que eu tenha outras conquistas.